Nas estradas e encruzilhadas da vida, liberto das roupagens da vaidade e da jactância, tento merecer esta minha condição de ser vivo.

terça-feira, 27 de novembro de 2018

02 - POESIA VIVA * Manifesto

NA PALAVRA É QUE VOU...
.

Manifesto 


Ícaro, tela de Chagall 




Questiono ou não os meus antepassados? 

São eu neste outro tempo modelados… 

Todo o tempo é composto de mudanças… 

ganhando ou não ganhando qualidades, 

perdendo ou não perdendo qualidades… 

Não vou dobrar o Cabo Bojador… 

Como ir além do medo? Além da dor? 

Não vou dobrar o Cabo das Tormentas… 

Perene é a tormenta, 

distante a esperança que persigo… 

Persiste à minha frente o Cabo Não, 

num desafio instante e perigoso… 

Herdeiro sou de fastos e misérias, 

aos ombros trago o Tudo, trago o Nada, 

o vinho e o pão da minha mesa efémera… 

Os passos que já dei 

não voltarei a dar… 

Ninguém banhar-se pode duas vezes 

nas mesmas águas deste nosso rio… 

Tinha toda a razão o velho Heráclito! 

Aqui e sem negar-me tento ser 

o impulso a projectar-me para diante. 

Memória do que fui, a minha história, 

outra não tenho para me contar… 

São fastos, são misérias, são heranças 

que herdei dos outros eus que fui inteiro… 

Mantenho ou não a glória desses fastos? 

Corrijo ou não a dor dessas misérias? 

Venha o primeiro justo condenar-me! 

Venha a primeira pedra castigar-me! 

Depois de mim que venham outros eus 

justificar-me ou não 

ou redimir-me ou não… 





José-Augusto de Carvalho 
27 de Novembro de 2018. 
Alentejo * Portugal 

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

17 - POEMÁRIO * A súplica


TUPHY VIVE! 

*

A súplica 





Vem a palavra súplice e molhada 

dizer-me entre soluços por que chora. 

E eu ouço, no silêncio, a madrugada: 

Quem vem falar contigo a esta hora? 



Sossego a madrugada desta insónia: 

alguém que se perdeu e busca auxílio 

num sonho de encantar de Babilónia 

que sofre no meu peito a dor do exílio. 



Alguém que vai morrer quando eu morrer, 

que quer comigo ser a mesma entrega… 

E, em paz, agora, tenta adormecer, 

já sinto prestes a manhã --- sossega! 



José-Augusto de Carvalho 
21 de Novembro de 2018. 
Alentejo * Portugal 



17 - POEMÁRIO * A sol-pôr



(Tuphy vive!) 


Ao sol-pôr 







Eu dei-me numa tarde de Novembro. 

Comigo só ficou o teu sorriso, 

agora que de ti apenas lembro 

o nada-tudo de que só preciso. 



Não mais o tempo em flor de Primavera! 

Não mais o verde-mar do teu olhar! 

Agora, sou, sozinho, a minha espera, 

outra espera de nós neste ficar. 



Germinou a semente e foi raiz. 

Surgiu-cresceu o caule e deu-se flor. 

Milagre de existir que assim nos quis 

do sol nascente até ao meu sol-pôr. 



O mais que houver será uma outra espera 

de um outro tempo, de outra primavera… 





José-Augusto de Carvalho 
21 de Novembro de 2018. 
Alentejo * Portugal

sábado, 17 de novembro de 2018

17 - POEMÁRIO `Ali Baba



O MEU RIMANCEIRO
.
(QUE VIVA O CORDEL!)

*
ALI BABA



Ali Baba, a lenda que ficou
do chefe dos ladrões – eram quarenta.
D’As mil e uma noites transitou
a lenda para a vida e tanto bem medrou
que por feitiço dia a dia aumenta.

O roubo ganhou formas e matizes
e tanto medra a solo e medra em coro!…
As vítimas se queixam: que juízes,
perante as nossas roxas cicatrizes,
acabam com tamanho desaforo?

Ecoam pelas ruas, pelas praças,
protestos e lamúrias, mas em vão.
São de raiz os males e as trapaças.
Com panos quentes, faças o que faças,
não mudas nunca a sua condição.

Arranca o que é daninho, o que não presta,
permite que germine outra semente,
e colherás suado mas em festa
o pão e o vinho, as flores da giesta,
cumprido como vida e como gente…


José-Augusto de Carvalho
17 de Novembro de 2018.
Alentejo * Portugal

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

02 - POESIA VIVA - Esta Ponte!


TUPHY VIVE! 

Esta Ponte! 




Há uma ponte que liga 

as duas margens do abismo 

que foi cavado no tempo 

da severa intolerância. 



Há um abismo que quer 

separar-nos para sempre… 

Para sempre é muito tempo 

e nós nem fomos ouvidos 

por quem cavou este abismo 

para separar o corpos 

que estiveram sempre unidos. 



Há uma ponte que erguemos 

desde os tempos da discórdia 

dos impérios e das crenças 

para separar os corpos 

que sempre tanto se amaram. 



Há uma ponte de Vida 

que não será destruída 

enquanto a Vida for Vida. 



José-Augusto de Carvalho 
16 de Novembro de 2018 
Alentejo » Portugal

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

17 - POEMÁRIO * Representação


TEMPO DE SORTILÉGIO
.
Representação 




O tempo está mudado, meu amor. 

Olha, começa a representação: 

ao céu azul o chumbo rouba a cor, 

sem luz já se angustia o coração. 



As nuvens se acastelam, uiva o vento; 

não tarda já horríssono o trovão; 

não tarda já o látego sedento 

e em fogo as piras da devastação. 



Estamos nós aquém - além da cena 

ou seremos também no palco actores? 

Quem contigo ou comigo contracena 

o Bem e o Mal --- a preto e branco e a cores? 



A fuga é impossível, meu amor! 

O Tudo e o Nada aqui representamos. 

O que tiver de ser, seja o que for, 

vai depender do quanto aqui nos damos. 



E a queda, se ocorrer, que se redima 

na força da semente que carrega… 

que possa ser ou seja o verso e a rima 

do amor que não se rende nem se nega. 



José-Augusto de Carvalho 
14 de Novembro de 2018. 
Alentejo * Portugal