Nas estradas e encruzilhadas da vida, liberto das roupagens da vaidade e da jactância, tento merecer esta minha condição de ser vivo.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

10 - JORNAL DE PAREDE * Francisco Luciano Lepera


O jornalista Francisco Luciano Lepera morreu aos 86 anos de idade na manhã deste domingo (11), em sua residência, em Ribeirão Preto, após lutar por quase dois anos contra o Mal de Alzheimer.O corpo de Lepera foi enterrado hoje (12) no Cemitério da Saudade. Além de jornalista, Lepera também foi vereador e deputado estadual pelo Partido Comunista, entre as décadas de 50 e 60.Lepera teve os direitos políticos cassados por 10 anos e impedido, inclusive, de trabalhar em qualquer veículo de comunicação. Ele deixa um filho, uma neta e dois bisnetos.

Um patriota, um lutador do povo
Texto de Vanderley Caixe


Conheci Luciano Lepera quando eu tinha 15 anos. Foi num comício nas confluências da rua Minas com a rua Paraíba. Estava ele em cima de um caminhão velho, com o microfone na mão e o som do alto-falante vindo da capota do veículo. Luciano era candidato pela primeira vez à Assembléia Legislativa de São Paulo. Vinha de vários mandatos como vereador, em Ribeirão Preto. Fora um dos vereadores mais atuantes na defesa dos trabalhadores e dos interesses nacionais. Autor de mais de 700 projetos nessa linha. A fala de Luciano Lepera, em cima daquele caminhão, não era um discurso de comício, era a palavra segura, emocionante em defesa do nosso povo e da soberania nacional. Era didático. Comício que não se faz mais. Luciano era o professor: explicava a origem da carestia, nominava os grupos que exploravam a nossa gente e o nosso país. Fazia do palanque a sala de aula. Não fabricava eleitores, mas produzia em cada comício homens conscientes, cidadãos indignados com a rapina de nosso país. Naquela noite, recordo-me ainda, falava da luta : o "petróleo é nosso", da árdua luta para manter essa riqueza em nosso solo e aproveitá-la somente em prol do Brasil.
Lembro-me dos nomes de nacionalistas, como Euzébio Rocha, o autor do substitutivo que deu origem à Lei 2004 , instituindo o monopólio estatal do petróleo, para a tristeza dos imperialistas da Esso, Shell, Texaco e outras componentes das sete irmãs : as responsáveis pelas guerras e invasões e tantos horrores cometidos nos países do terceiro mundo. Luciano Lepera nominava os nossos patriotas como o general Estilac Leal, Gondim da Fonseca, Maria Augusta Tibiriçá Miranda, entre tantos outros valorosos defensores da nossa nacionalidade; estimulava a nossa virtude e o orgulho de ser brasileiro. Fui conscientizado nesse comício-aula. Relembro, ainda, a sua simplicidade no vestir, como aliás é até hoje, revela o seu total desapego aos bens materiais. Sempre ofereceu tudo o que ganhava às lutas populares, aos sindicatos, ajudando os companheiros em dificuldades. Era a imagem do lutador , do conscientizador, do agitador que entregou a sua vida pela causa do nosso povo e do nosso país. Lepera, eleito deputado estadual, dedicou o seu mandato inteiramente a serviço do povo e da nação: ora estava na Assembléia Legislativa denunciando os esbirros da polícia e o massacre da população, que lutava pelos seus direitos; ora estava nas portas das fábricas ajudando a garantir o direito de greve; ora estava nos palanques na luta pela paz e contra as invasões imperialistas nos países do nosso continente ; ora ainda preocupava-se em elaborar projetos em defesa do trabalhador rural e urbano, dos professores, dos menos favorecidos e dos excluídos. Não foram poucas as viagens que fez para o interior do Estado de São Paulo, ajudando a criar sindicatos, interferindo junto às delegacias de polícia nos casos de prisões de trabalhadores. Uma luta incansável, diuturna, popular e patriótica. Esse não era o deputado que interessava à classe dominante, exploradora e entreguista. Era preciso calar a boca do líder Luciano Lepera. Esse deputado era um "perigo para os privilegiados do sistema, das empresas estrangeiras sediadas no Brasil". Em 1962, eu ingressava na Faculdade de Ciências Econômicas, da qual fui presidente do Centro Acadêmico e expulso, no golpe militar de 1964. Nesse período, continuei acompanhando a luta pela reeleição de Luciano Lepera. Alguns meses depois, surpreso, soube que o Tribunal Regional Eleitoral do Estado de São Paulo havia cassado o registro da candidatura de Luciano Lepera, com base num extenso relatório do Departamento de Ordem Política e Social – o famigerado DOPS. Luciano Lepera recorreu e concorreu às eleições. Foi eleito, mas não lhe deram posse. Um ano depois, veio o golpe da direita, dos grandes grupos econômicos, do imperialismo e dos traidores da pátria. E Luciano foi preso, perseguido e silenciado durante todo o tempo da ditadura. Resistiu sempre, sem perder a dignidade alimentada pelos seus ideais, de uma sociedade justa, de um povo livre e um país soberano. Hoje, apesar da idade, continua a lutar. Leio todos os dias os seus magníficos artigos, nas páginas do jornal A Verdade e me inteiro da admiração, respeito e carinho que essa geração mais nova, de jornalistas e idealistas, têm pelo nosso Luciano Lepera. Entre eles o Zé Fernando Chiavenatto, de quem o Luciano sempre me fala. Mesmo essa geração que o admira e o respeita, talvez conheça pouco da dimensão dessa figura e das causas (arbitrariedades) apontadas para a cassação do seu registro. Há dias, procurando nos arquivos do Tribunal Regional Eleitoral do Estado de São Paulo, localizamos parte dessas arbitrariedades, praticadas contra o Luciano Lepera. Encontramos, nos porões daquele famigerado órgão, os arquivos deste processo e o relatório do DOPS, que serviu de base para a cassação do registro desse nosso grande patriota. Lendo-os, seria preciso não ser brasileiro para não nos revoltarmos com as indignidades, o servilismo aos grandes grupos alienígenas tanto de belegüins de polícia como de juízes, procuradores e desembargadores dessa nossa “justiça”. O objetivo de fazer conhecer esse "dossiê" (relatório) político-policial é o de revelar a magnitude da grandeza e a história política, popular e patriótica de Luciano Lepera; enquanto para o DOPS, para os exploradores do povo, para o imperialismo, Luciano era “criminoso” e deveria ser cassado. Essa é a verdade dos dominadores e exploradores do povo. A luta de Luciano Lepera é a luta dos justos, pelos excluídos da grande sociedade, a luta em defesa da nossa pátria e das nossas riquezas. Para os vendilhões da pátria e exploradores do nosso povo, era preciso negar-lhe o registro e os votos de quantos votaram na continuidade da sua luta. Vou citar apenas alguns trechos desse relatório do Dops e da denúncia oferecida pela procuradoria contra Luciano Lepera: "....segundo informação prestada pela autoridade policial de Ribeirão Preto em 17 de novembro de 1948, a pedido deste DOPS, o epigrafado era componente do comitê do "Centro de Estudos do Petróleo" daquela cidade, pertencendo ao "Departamento de Imprensa" desse comitê ". Em outro trecho (do relatório do DOPS)... ".....(Luciano Lepera e outros) realizaram, no dia 24 de março de 1956, nos salões do "C. Paulista", uma reunião de apoio a Campanha Nacional Pró-Anistia aos Presos e Processados Políticos". Outro "crime" de Luciano Lepera, anunciado pelo DOPS a serviço do imperialismo: ".....que no dia 3 de novembro de 1957, realizou-se na sede da União Geral dos Trabalhadores – UGT - de Ribeirão Preto, a primeira reunião do "Núcleo Nacionalista" daquela cidade que, como as demais congêneres do País, se propõe a "defender as riquezas nacionais, preservando-as da conquista estrangeira." Nessa oportunidade, procedeu-se a eleição da comissão provisória e, na sua constituição, consta o nome do vereador e jornalista Lepera." Eis o "crime" de Luciano Lepera: "defender o povo e as riquezas nacionais... Por isso e, por toda a história de Luciano Lepera, tenho a honra de partilhar dessas justas homenagens, para perpetuar esse exemplo de dignidade e perseverança aos ideais de defesa do nosso povo e da nossa Pátria. Parabéns, Luciano!
Do companheiro, sempre,

Vanderley Caixe.

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