Ignácio Pedralva era um homem muito respeitado no meio rural
onde vivia. As suas barbas brancas davam testemunho de uma vida longa. Já homem
feito, casado e pai, assistira à derrocada da Monarquia e ao advento da
República. Sem entusiasmos, passara da velha à nova ordem estabelecida. Lia a
Imprensa e ouvia com atenção o filho que vivia na cidade.
Alfredo, de quando
em quando, conseguia uns dias de licença e visitava o pai. E sorria sempre
quando ouvia a pergunta: Filho, como vai a política, lá na cidade?
A
República passara. Havia aberto de par em par as portas ao autoritarismo. Como
sempre sucede, uns adaptaram-se, outros mantiveram-se fieis ao ideário apeado.
Ignácio Pedralva meneava a cabeça, apreensivo. As coisas continuavam a não
caminhar bem. Agora, pior.
Alfredo, homem vigoroso de corpo e de
entendimento, ficara ao lado dos que resistiam. Sustentava que as forças do
reviralho recuperariam a República e os seus ideais de Outubro de 1910. E
insistia em transmitir ao pai essa convicção.
Um dia, Alfredo sugeriu ao pai
que aderisse a um movimento local. Afirmava que a força residia nas bases. E
sentenciava: o Terreiro do Paço não poderá governar contra as bases.
Ignácio
Pedralva, sorrindo, respondeu-lhe: Meu filho, nunca fui degrau de escadote para
os outros subirem.
Surpreso, Alfredo ficou calado, digerindo a resposta do
pai. Entretanto, eram horas de almoço. Sentaram-se à mesa. Uma açorda de alho e
poejos com peixe frito esperava-os, fumegando.
Alfredo tentou recuperar a
conversa: Pai, não quer pensar melhor no que lhe sugeri?
Ignácio Pedralva,
fitando o filho com ternura: Não quero destruir as tuas esperanças com as minhas
desilusões. Também as tive e lutei por elas. Fiquei desiludido. Naquele meu
tempo, muitos dos que estavam, não eram; e muitos do que eram, não estavam...
Entendes-me? E, agora, é demasiado tarde para mim.
Alfredo tentou
insistir...
O velho atalhou: Não insistas, filho. A minha decisão está
tomada. Apenas desejo que, dessa tua aventura, não saias tão magoado como eu saí
da minha. Talvez, quem sabe?, as coisas sejam diferentes, hoje...
E
continuaram a refeição, em silêncio.
Gabriel de Fochem
5 de
Março de 2013.
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