"Não há como ficar calado"
(a íntegra do
discurso de Raduan Nassar no Prêmio Camões)
SEX, 17/02/2017 - 18:27
Da
Carta Capital
Em seu pronunciamento na entrega do Prêmio Camões de literatura,
o escritor critica o golpe, o governo Temer e o STF. Leia a íntegra
Às dez e meia da manhã desta sexta-feira 17, o escritor Raduan
Nassar subiu ao palco montado no Museu Lasar Segall, em São Paulo, para receber
o Prêmio Camões de 2016, honraria concedida pelos governos do Brasil e Portugal
e um dos principais reconhecimentos da literatura em língua portuguesa. Nassar
ofereceu à plateia o seguinte discurso:
Excelentíssimo Senhor Embaixador de Portugal, Dr. Jorge Cabral.
Senhor Dr. Roberto Freire, Ministro da Cultura do governo em
exercício.
Senhora Helena Severo, Presidente da Fundação Biblioteca
Nacional.
Professor Jorge Schwartz, Diretor do Museu Lasar Segall.
Saudações a todos os convidados.
Tive dificuldade para entender o Prêmio Camões, ainda que
concedido pelo voto unânime do júri. De todo modo, uma honraria a um brasileiro
ter sido contemplado no berço de nossa língua.
Estive em Portugal em 1976, fascinado pelo país, resplandecente
desde a Revolução dos Cravos no ano anterior. Além de amigos portugueses, fui
sempre carinhosamente acolhido pela imprensa, escritores e meios acadêmicos
lusitanos.
Portanto, Sr.Embaixador, muito obrigado a Portugal.
Infelizmente, nada é tão azul no nosso Brasil.
Vivemos tempos sombrios, muito sombrios: invasão na sede do
Partido dos Trabalhadores em São Paulo; invasão na Escola Nacional Florestan
Fernandes; invasão nas escolas de ensino médio em muitos estados; a prisão de
Guilherme Boulos, membro da Coordenação do Movimento dos Trabalhadores Sem
Teto; violência contra a oposição democrática ao manifestar-se na rua.
Episódios todos perpetrados por Alexandre de Moraes.
Com curriculum mais amplo de truculência, Moraes propiciou
também, por omissão, as tragédias nos presídios de Manaus e Roraima. Prima
inclusive por uma incontinência verbal assustadora, de um partidarismo
exacerbado, há vídeo, atestando a virulência da sua fala. E é esta figura
exótica a indicada agora para o Supremo Tribunal Federal.
Os fatos mencionados configuram por extensão todo um governo
repressor: contra o trabalhador, contra aposentadorias criteriosas, contra
universidades federais de ensino gratuito, contra a diplomacia ativa e altiva
de Celso Amorim. Governo atrelado por sinal ao neoliberalismo com sua
escandalosa concentração da riqueza, o que vem desgraçando os pobres do mundo
inteiro.
Mesmo de exceção, o governo que está aí foi posto, e continua
amparado pelo Ministério Público e, de resto, pelo Supremo Tribunal Federal.
Prova da sustentação do governo em exercício aconteceu há três
dias, quando o ministro Celso de Mello, com suas intervenções enfadonhas,
acolheu o pleito de Moreira Franco. Citado 34 vezes numa única delação, o
ministro Celso de Mello garantiu, com foro privilegiado, a blindagem ao
alcunhado “Angorá”. E acrescentou um elogio superlativo a um de seus pares, o
ministro Gilmar Mendes, por ter barrado Lula para a Casa Civil, no governo
Dilma. Dois pesos e duas medidas
É esse o Supremo que temos, ressalvadas poucas exceções.
Coerente com seu passado à época do regime militar, o mesmo Supremo propiciou a
reversão da nossa democracia: não impediu que Eduardo Cunha, então presidente
da Câmara dos Deputados e réu na Corte, instaurasse o processo de impeachment
de Dilma Rousseff. Íntegra, eleita pelo voto popular, Dilma foi afastada
definitivamente no Senado.
O golpe estava consumado!
Não há como ficar calado.
Obrigado
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