Bendito seja o meu nome!
Semeio e colho este pão,
mas só migalhas me dão,
enganando a minha fome.
Zé-povinho assim me chama
quem de mim se não reclama!
Arautos de feira exultam.
E com palavrinhas mansas
e falazes esperanças,
o meu dia a dia insultam.
Zé-povinho assim me chama
quem de mim se não reclama!
Quem me promete o que é meu,
como se fosse oferenda?
Quem supõe que estou à venda?
Quem é aqui mais do que eu?
Zé-povinho assim me chama
quem de mim se não reclama!
Da noite dos tempos venho,
vergado, chapéu na mão,
à deriva como um lenho
sem velame nem timão.
Zé-povinho assim me chama
quem de mim se não reclama!
Milénios já percorridos
de sofrimento e lições,
quando os terei aprendidos
por memória e por razões?
Zé-povinho assim me chama
quem de mim se não reclama!
Continuo um pé descalço,
um deserdado, a ralé,
a subir ao cadafalso
num qualquer auto de fé...
Zé-povinho assim me chama
quem de mim se não reclama!
Enredado em várias malhas
e presa dos maiores danos,
morro em todas as batalhas
só p'ra mudar de tiranos!
Zé-povinho assim me chama
quem de mim se não reclama!
Ah, que força, que arreganho
assim me tolhe a vontade
de me erguer e com verdade
ser livre e do meu tamanho?!
Até mudar de caminho,
serei sempre o Zé-povinho?
José-Augusto de Carvalho
Redigido em 21.03.1996
Corrigido em30.10.2009
Viana * Évora * Portugal
Nota: Este poema foi incluído no livro «Pátria Transtagana», editado em Outubro deste ano de 2014.