OUTRASPALAVRAS
A mídia fez o
golpe. Como democratizá-la?
POR
FERNANDO MARCELINO
Discurso
uníssono em favor do impeachment atingiu opinião pública. Esquerda
institucional, no governo por treze anos, não ousou reformar comunicações.
Agenda é cada vez mais crucial
Por Fernando
Marcelino
O golpe
institucional em curso no Brasil só foi produzido porque teve o apoio
incondicional da grande mídia. Sem o bombardeamento negativo diário da mídia
monopolista – sob o comando da Globo, Record, Band, Estadão, Folha de São Paulo
e outros jornais, revistas e mídias digitais –, seria impossível a intensa
partidarização das instituições de Estado para desfechar o golpe contra Dilma,
num processo totalmente maculado pela fraude e pela manipulação. E desde que
Temer assumiu como presidente interino, ocorre uma ampla campanha de informação
visando assentar as bases da autoridade do governo golpista com aparência de
continuísmo, legalidade e legitimidade.
Durante o
século XX passou a ser cada vez mais vital para as classes dominantes manter
sua hegemonia pelos grandes meios de comunicação privados. Podendo chegar com
uma única voz a grande maioria dos brasileiros, cria-se um “consenso” sem vozes
dissonantes e consegue-se pautar a agenda de debates no país.
Não é a
toa que, pelo menos desde a década de 1950, a grande mídia privada vem sendo um
dos principais articuladores da desestabilização política e econômica no país,
participando do cerco político que culminou no suicídio de Getúlio Vargas, nas
tentativas de inviabilizar a posse de Juscelino e na execução do golpe contra
Jango em 1964. Nestes casos, os meios de comunicação de massa
brasileiros foram decisivos como complementos das ações políticas que definiram
os rumos do país.
Com a
ditadura, a grande mídia – capitaneada pela Rede Globo – foi altamente
conivente com as práticas de censura, tortura e perseguição política, tentando
legitimar a ação dos governos militares.
Com a
redemocratização a grande mídia privada continuou poderosa. Durante os governos
Collor e FHC os maiores veículos de comunicação atuaram numa linha
“chapa-branca”, omitindo-se perante os inúmeros esquemas de corrupção que
envolveram as privatizações e o processo de desnacionalização desenfreada dos
anos 1990.
A partir
de 2003, durante os governos liderados pelo PT, a grande mídia passou a se
esforçar em demonstrar que o Brasil estava virando um caos. Mais recentemente,
além de promover ataques ao governo, se ampliaram as campanhas para criar um
clima de ódio e de espetacularização ao “combate a corrupção” com a estratégia
de vazamentos seletivos de informações sigilosas para imprensa executada pela
Operação Lava Jato. O resultado foi que, diante das tentativas de golpe a
partir da eleição de 2014, nem governo, partidos ou organizações populares se
mostraram em condições de fazer frente à avalanche de mentiras, omissões e
calúnias da grande mídia privada, o que acabou levando parte considerável da
sociedade a defender o golpe institucional travestido de impeachment da
presidente Dilma.
Em pleno
século XXI, o Brasil continua sendo um dos países com maior concentração da
mídia no mundo. Menos de dez grupos familiares concentram os principais meios
de comunicação no Brasil, num verdadeiro esquema de monopólios e oligopólios em
âmbito regional e nacional, violando a Constituição Federal de 1988 e
desequilibrando o jogo democrático da representação política. A legislação do
setor também não inclui dispositivos que limitem a concentração de propriedade.
As redes
nacionais de comunicação incluem emissoras de rádio e TV, jornais e revistas de
circulação nacional. Seus principais proprietários são sete famílias. Os
Marinhos da Rede Globo (a família mais rica do Brasil), a família Abravanel (de
Sílvio Santos) do SBT, Edir Macedo da Record, a família Saad da Band, os Frias
da Folha de S. Paulo, os Mesquitas do Estadão e os Civita da editora Abril e
Veja. São sete famílias que representam unicamente mais de 80% de tudo que
entra para os brasileiros.
Este nível
de concentração também existe nos grupos regionais de afiliados nas redes
nacionais de TV, formando oligopólios estaduais ligados a famílias políticas
tradicionais, como a família Magalhães (de ACM Neto – DEM) na Bahia, a família
Sarney (de José Sarney – PMDB) no Maranhão, a família Collor (de Fernando
Collor de Mello – PTC) em Alagoas, a família Maia (de Jose Agripino Maia – DEM)
e família Alves (de Garibaldi Alves Filho – PMDB) no Rio Grande do Norte, a família Jereissati (de Tasso
Jereissati – PSDB) no Ceará, a família Franco (de Albano Franco – PSDB) no
Sergipe, a família Sirotsky no Rio Grande do Sul, família Câmara em Goiás e
Tocantins, os Barbalho e Maiorana no Pará.
No Paraná
apenas cinco famílias que comandam a grande comunicação de massa privada.
Existe a família Petrelli (dona da RIC Record), a família Malucelli (dona da TV
Bandeirantes Curitiba e Maringá, BandNews FM, CBN Curitiba, Jornal Metro e
Rádio Globo Curitiba e Paranaguá), a família Massa Martinez do apresentador
Ratinho e seu filho, o deputado e secretário de Beto Richa, Ratinho Junior
(PSD) (donos da Rede Massa, que domina o SBT no Paraná) e a família Cunha
Pereira que, junto com a família Lemanski, (donos do GRPCOM – Grupo Paranaense de
Comunicação, que domina a RPC TV com oito emissoras de TV afiliadas à Rede
Globo, os jornais Gazeta do Povo, Jornal de Londrina, Gazeta Maringá e Tribuna,
as rádios 98FM, Mundo Livre FM e Cultura FM. E a família Mussi Pimentel (da
Rede Mercosul de Comunicação).
Em
2011, a Gazeta do Povo publicou matéria chamada “Políticos são donos de 15% das
rádios no PR” onde revelou que pelo menos 54 emissoras de rádio das 355 com
registro no governo federal pertencem a políticos ou familiares. A reportagem
identificou que entre os empresários do setor estão ex-governadores,
conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, secretários de estado, deputados
federais e estaduais, prefeitos, ex-prefeitos e vereadores. Ao todo, foram
identificados pelo menos 45 donos de rádio que exercem, ou exerceram, cargos
eletivos.
Em
algumas cidades do interior, todas as rádios estão nas mãos de políticos.
Na
cidade de Ivaiporã existem três emissoras: a Uba Limitada, a Ivaiporã FM e a
Rádio e Televisão Rotioner. A Uba tem entre os sócios o ex-governador Orlando
Pessuti (PMDB). Regina Fischer Pessuti, mulher do ex-governador, é sócia da
Ivaiporã FM e a Rotioner tem entre os proprietários Paula Pimentel e Luiz
Guilherme Gomes Mussi. Ela, desde 2008, é mulher do deputado estadual Alexandre
Curi (PMDB) e ele, sogro de Curi e suplente do senador Roberto Requião (PMDB).
Além deles, o pai de Alexandre Curi, Aníbal Khury Júnior, é um dos donos da
Rádio Poema, no município de Pitanga. Situação semelhante acontece na cidade de
Guarapuava. Com pouco mais de 167 mil habitantes e 117 mil eleitores, duas
tradicionais famílias políticas disputam os ouvintes. De um lado está a família
do conselheiro do Tribunal de Contas do Estado Artagão de Mattos Leão, dona da
rádio Difusora Guarapuava e da Emissora Atalaia. Do outro, a família Ribas
Carli, são sócios da rádio Guairacá de Guarapuava. Em Maringá, a família de
Ricardo Barros é dona da rádio Nova Ingá e da rádio Difusora.
São estes
punhados de famílias políticas e empresariais que morrem de medo de quebrar seu
monopólio dos meios de comunicação, acusando propostas de regulação do setor de
mídia de censura. E como a grande mídia pertence à classe dominante,
compreende-se que propagandeiem objetivos políticos alinhados a seus interesses
corporativos de manter a hiper-concentração da grande mídia. Estas famílias da
grande mídia não estão interessadas em atender o equilíbrio informativo, o
respeito à privacidade e a honra das pessoas, os espaços no rádio e na TV aos
movimentos sociais, a promoção da cultura nacional e a regionalização da
produção artística e cultural pela regulação econômica da mídia. Até aí tudo
bem. Inexplicável é a falta de compreensão da esquerda e dos governos liderados
pelo PT sobre o caráter estratégico de uma agenda de comunicação alternativa
popular. Afinal, porque não houve iniciativas para demonstrar o caráter
político e distorcido da grande mídia? Porque o governo, repetidamente, não
atacou de frente as mentiras ditas dia e noite pela grande mídia? Porque não
levou a cabo a regulação da mídia como uma questão chave? Porque não houve
esforços para realizar o que o jornalÚltima Hora, criada com apoio de
Getúlio Vargas e editada por Samuel Wainer, fez em defesa dos interesses
populares e nacionais?
De
qualquer forma, diante dos atuais retrocessos do governo Temer, uma série de
ações pela democratização dos meios de comunicação continua na ordem do dia,
como impedir os retrocessos na Empresa Brasileira de Comunicação e no Marco
Civil da Internet, denunciar a perseguição política e jurídica a blogs e
coletivos de comunicação alternativa. Para ampliar a pluralidade de vozes e
representatividade da população nos meios de comunicação também é necessário
pressão da sociedade para proibir a propriedade cruzada, isso é, o domínio pelo
mesmo grupo de comunicação de concessões para operar diferentes plataformas
(TV, jornal e portais), proibir a concessão de meios de comunicação a pessoas
com cargo eletivo – como deputados e senadores – e vedar a manutenção de
dezenas de canais de comunicação a uma mesma empresa.
Estas
medidas mais gerais devem ser combinadas com ações concretas específicas, no
sentido de defender os meios de comunicação alternativos públicos e
comunitários, inclusive garantindo seu sustento material. Somente desta forma
haverá contraponto as notícias e informações disseminadas pela grande mídia. E,
neste momento em que está colocado de maneira aguda o impasse entre a força dos
golpistas e sua ilegitimidade democrática, mais do que nunca devemos defender a
liberdade de expressão contra a violência exercida pela monopolização da
informação.