Nas estradas e encruzilhadas da vida, liberto das roupagens da vaidade e da jactância, tento merecer esta minha condição de ser vivo.
quarta-feira, 30 de novembro de 2016
05 - REFLEXÕES * Discorrendo: Assumpto!
Desde que nos entendemos responsavelmente como gente que compreendemos que só quando nos damos é que a vida faz sentido. Quando nos damos à pessoa amada; quando nos damos ao possível projecto de vida; quando nos damos à(s) causa(s) que elegemos.
Nem sempre o darmo-nos corresponde às expectativas que criámos e ficamos decepcionados quando assim sucede.
Um desgosto de amor é um capítulo do «livro da vida» que escrevemos; outro amor que venha não substitui o que perdemos, outro amor é isso mesmo: é outro amor.
Um projecto de vida nem sempre está ao nosso alcance e dele fica a frustração a magoar-nos, mas vamos em frente, porque a vida não pára e porque a subsistência tem exigências inadiáveis.
A(s) causa(s) eleita(s) quase sempre nos exige(m) a integração em colectivo(s). E daí decorre a relação com o outro: às vezes gratificante e frutuosa; outras vezes difícil até ao limite da maleabilidade; outras vezes ainda difícil até à inevitável ruptura.
Temos notícia de histórias de vidas gratificantes; de histórias de vidas que cederam na maleabilidade até extremos quase insuportáveis; e de histórias de vidas que preferiram a ruptura quando os princípios ou os valores ou a dignidade determinaram dizer não.
Não vamos arriscar julgamentos de maleabilidade construtiva ou de rupturas. Recusamos a presunção de nos assumir como o outro. Ninguém pode ser o outro, assim pensamos, assim procuramos agir.
Sofremos decepções em projectos de vida e em causas que elegemos. Umas mais dolorosas, outras menos. Há quem sustente que estas decepções são ensinamentos. É matéria complexa, por isso mesmo umas vezes será pacífico aceitar que sejam ensinamentos e outras vezes será preferível considerá-las de outros modos, assim no plural.
A nossa consciência é a nossa bússola. Se bem escolhemos o(s) caminho(s), ela nos gratificará; se mal o(s) escolhemos, ela nos punirá.
A nossa conduta, as nossas opções, as nossas decisões serão sempre nossas e sempre da nossa exclusiva responsabilidade.
Ninguém poderá viver por nós a nossa vida; não poderemos jamais viver a vida do outro.
*
José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 30 de Novembro de 2016.
segunda-feira, 28 de novembro de 2016
15 - DESTAQUE * Hasta siempre!
Falecimento de Fidel Castro
Morreu Fidel Castro, um dos grandes homens do século XX, figura fundamental e incontornável da América Latina e do mundo. Relembrando todo o percurso de revolucionário e estadista de Fidel Castro, e no dia em que há sessenta anos, o jovem revolucionário partiu do México para com mais 81 companheiros, iniciar a luta de libertação do povo cubano, a Associação de Amizade Portugal Cuba expressa os seu profundo pesar ao povo de Cuba, ao Governo e ao Partido Comunista de Cuba e ao Presidente Raul Castro bem como à restante família de Fidel Castro.
Homem de grande sensibilidade, humildade e sempre ligado ao seu Povo e à luta e emancipação dos povos.
Incansável lutador, revolucionário, líder da Revolução Cubana, homem de convicções, Fidel ficará na História pela sua coerência, determinação, sentido de justiça e apego aos valores do progresso social, da paz, da solidariedade internacionalista e do socialismo.
O Comandante parte hoje, após uma vida inteira dedicada ao seu povo e à sua pátria, mas a sua principal obra, o seu principal legado permanece bem vivo: a Revolução Cubana, com as suas extraordinárias conquistas em áreas como a educação, a ciência, a saúde e no acesso à cultura, entre muitas outras; e o seu povo, de onde veio e ao qual sempre se manteve profundamente unido, povo que prossegue com coragem, determinação e assinalável capacidade criadora, o caminho da defesa da Pátria Cubana, resistindo aos mais poderosos ataques, nomeadamente o bloqueio económico dos EUA contra Cuba.
Fidel Castro ficará na História como uma das personalidades mais marcantes do Século XX, não só pelo seu papel central na libertação de Cuba da terrível ditadura de Fulgêncio Batista, na condução da Revolução Cubana, mas também como um revolucionário que abraçou sempre as mais justas causas em defesa de todos os povos do Mundo e da Humanidade. A dedicação com que na recta final da sua vida se debruçou sobre questões como a paz ou o ambiente são disso exemplo, mas são sobretudo demonstradas na postura do Estado e do povo de Cuba face ao Mundo exemplo primeiro de solidariedade e de internacionalismo, em primeiro lugar para com todos os povos da América Latina, mas também com todos os povos do Mundo.
Fidel parte no dia de hoje, mas os seus ideais, o seu pensamento e o projecto de uma sociedade socialista permanecem na acção e na luta de todos aqueles que não se conformam com um Mundo marcado cada vez mais pela ofensiva do imperialismo, pelas injustiças, pela guerra e pela degradação do ambiente. O pensamento de Fidel Castro é ainda hoje mais importante quando o Mundo vive numa grande instabilidade, quando os povos estão confrontados com os riscos de conflito de grandes proporções, quando páginas negras da História surgem novamente no horizonte – como o fascismo – e quando os povos da América Latina – cujos processos progressistas se inspiraram na revolução cubana - são novamente alvo de uma violenta contra-ofensiva imperialista visando os seus direitos e soberania.
Todos aqueles que prosseguem a luta contra as injustiças, pelo progresso, a solidariedade e a paz, viram hoje partir um grande amigo solidário! Mas esses, nos quais se inclui a Associação de Amizade Portugal Cuba, irão dar seguimento ao seu legado, honrando dessa forma a sua memória e percurso de vida inigualáveis.
Morreu o Homem, mantem-se o projecto.
A luta continua! Hasta Siempre, Comandante! Venceremos!
A Direcção da
Associação de Amizade Portugal Cuba
sábado, 26 de novembro de 2016
sexta-feira, 25 de novembro de 2016
03 - O MEU RIMANCEIRO * A nova banda
O MEU RIMANCEIRO
(QUE VIVA O CORDEL!)
*
*
A nova banda
Não são meus estes caminhos
nem é meu este arvoredo
onde as aves fazem ninhos
e me cantam em segredo
hinos de amor e verdade
com asas de liberdade.
Estas terras não são minhas,
só são minhas as canseiras
de sol a sol nestas vinhas
onde colho nas videiras
promessas de olor e mosto
no calor do mês de Agosto.
Não são meus estes trigais
nem as papoilas sangrando.
São meus apenas meus ais
deste infortúnio em que eu ando
de um amanhã esperando
que virá mas não sei quando.
Só é meu este cansaço
que é noite quando adormeço.
Nem à força do meu braço,
sendo minha, faço o preço.
Este mundo é uma banda:
toca o que o regente manda!
Ouço falar de direitos,
de justeza ouço falar.
Serão caminhos estreitos
onde eu não posso passar,
porque o mundo é uma banda:
toca o que o regente manda.
Talvez de regente eu mude,
não me serve o que ele manda.
Só um tolo é que se ilude
rodando neste ciranda.
Se tanto eu já soube e pude,
vou criar a minha banda.
José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 25 de Novembro de 2016.
terça-feira, 22 de novembro de 2016
02 - POESIA VIVA * Os versos da canção
CLAVE DE SUL
OS VERSOS DA CANÇÃO
Não sinto no meu peito anseios de partida.
Não sinto nos meus pés renúncias ancoradas.
Não dei a volta ao mundo, apenas dei à Vida
as rotações que pude e quis que fossem dadas.
Dei o que pude e quis --- o mais foi extorsão.
Pequenos mundos tem o mundo e várias sendas
varridas pelo ardor dos versos da canção,
sustidas p’lo torpor de milenárias vendas.
No meu entardecer, indócil adivinho
o ser a acontecer nos versos da canção.
Não retrocede nunca o rio o seu caminho
no ciclo natural da sua condição.
Eu não verei cumprir o ciclo da evasão,
mas sempre hei-de cantar os versos da canção.
José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 22 de Novembro de 2016.
sexta-feira, 18 de novembro de 2016
10 - JORNAL DE PAREDE * A religião do medo
30/10/2016 Revista Espaço Acadêmico jornais & revistas, religiões
Convencer fiéis a abdicar de recursos para sustentar supostos arautos do divino é explorar os efeitos sem alertar para as causas
Muitos cristãos foram educados na religião do medo. Medo do inferno, das chamas eternas, das artimanhas do demônio. E quando o medo se apodera de nós, adverte Freud, transforma-se em fobia. Recurso sempre utilizado por instituições autocráticas que procuram impor seus dogmas a ferro e fogo, de modo a induzir as pessoas a trocar a liberdade pela segurança.
Quando se abre mão da liberdade, demite-se da consciência crítica, omite-se perante os desmandos do poder, acovarda-se agasalhado pelo nicho de uma suposta proteção superior. Foi assim na Igreja da Inquisição, na ditadura estalinista, no regime nazista. É assim a xenofobia ianque, o terrorismo islâmico e os segmentos religiosos que dão mais valor ao diabo que a Deus, e prometem livrar os fiéis de males através da vulgarização de exorcismos, curas milagrosas e outras panaceias para enganar os incautos.
Em nome de uma ação missionária, milhões de indígenas foram exterminados na colonização da América Latina. Em nome da pureza ariana, o nazismo erigiu campos de extermínio. Em nome do socialismo, Stalin ceifou a vida de 20 milhões de camponeses. Em nome da defesa da democracia, o governo dos EUA semeia guerras e, no passado recente, implantou na América Latina sangrentas ditaduras.
Convencer fiéis a abdicarem de recursos científicos, como a medicina, e de boa parte da renda familiar para sustentar supostos arautos do divino é explorar os efeitos sem alertar para as causas. Já que, no Brasil, milagre é o povão ter acesso ao serviço de saúde de qualidade, haja engodo religioso travestido de milagre!
A religião do medo alardeia que só ela é a verdadeira. As demais são heréticas, ímpias, idólatras ou demoníacas. Assim, reforçam o fundamentalismo, desde o bélico, que considera inimigo todo aquele que não reza pelo seu livro sagrado, até o sutil, como o que discrimina os adeptos de outras tradições religiosas e sataniza os homossexuais e os ateus.
A modernidade conquistou o Estado laico e separou o poder político do poder religioso. Porém, há poderes políticos travestidos de poder religioso, como a convicção ianque do “destino manifesto”, como há poderes religiosos que se articulam para ocupar os espaços políticos.
Até o mercado se deixa impregnar de fetiche religioso ao tentar nos convencer de que devemos ter fé em sua “mão invisível” e prestar culto ao dinheiro. Como afirmou o papa Francisco em Assis, a 5 de junho de 2013, “se há crianças que não têm o que comer (…) e uns sem abrigo morrem de frio na rua, não é notícia. Ao contrário, a diminuição de dez pontos na Bolsa de Valores constitui uma tragédia”.
Uma religião que não pratica a tolerância nem respeita a diversidade religiosa, e se nega a amar quem não reza pelo seu Credo, serve para ser lançada ao fogo. Uma religião que não defende os direitos dos pobres e excluídos é, como disse Jesus, mero “sepulcro caiado”. E quando ela enche de belas palavras os ouvidos dos fiéis, enquanto limpa seus bolsos em flagrante estelionato, não passa de um “covil de ladrões”.
O critério para se avaliar uma verdadeira religião não é o que ela diz de si mesma. É aquela cujos fiéis se empenham para que “todos tenham vida, e vida em abundância” (João 10, 10) e abraçam a justiça como fonte de paz.
Deus não quer ser servido e amado em livros sagrados, templos, dogmas e preceitos. E sim naquele que foi “criado à Sua imagem e semelhança”: o ser humano, em especial aqueles que padecem de fome, sede, doença, abandono e opressão (Mateus25, 36-41).
* FREI BETTO é escritor, autor do romance policial Hotel Brasil (Rocco), entre outros livros. Publicado em O Globo, 29.10.2016, disponível em http://oglobo.globo.com/sociedade/a-religiao-do-medo-20378879
Muitos cristãos foram educados na religião do medo. Medo do inferno, das chamas eternas, das artimanhas do demônio. E quando o medo se apodera de nós, adverte Freud, transforma-se em fobia. Recurso sempre utilizado por instituições autocráticas que procuram impor seus dogmas a ferro e fogo, de modo a induzir as pessoas a trocar a liberdade pela segurança.
Quando se abre mão da liberdade, demite-se da consciência crítica, omite-se perante os desmandos do poder, acovarda-se agasalhado pelo nicho de uma suposta proteção superior. Foi assim na Igreja da Inquisição, na ditadura estalinista, no regime nazista. É assim a xenofobia ianque, o terrorismo islâmico e os segmentos religiosos que dão mais valor ao diabo que a Deus, e prometem livrar os fiéis de males através da vulgarização de exorcismos, curas milagrosas e outras panaceias para enganar os incautos.
Em nome de uma ação missionária, milhões de indígenas foram exterminados na colonização da América Latina. Em nome da pureza ariana, o nazismo erigiu campos de extermínio. Em nome do socialismo, Stalin ceifou a vida de 20 milhões de camponeses. Em nome da defesa da democracia, o governo dos EUA semeia guerras e, no passado recente, implantou na América Latina sangrentas ditaduras.
Convencer fiéis a abdicarem de recursos científicos, como a medicina, e de boa parte da renda familiar para sustentar supostos arautos do divino é explorar os efeitos sem alertar para as causas. Já que, no Brasil, milagre é o povão ter acesso ao serviço de saúde de qualidade, haja engodo religioso travestido de milagre!
A religião do medo alardeia que só ela é a verdadeira. As demais são heréticas, ímpias, idólatras ou demoníacas. Assim, reforçam o fundamentalismo, desde o bélico, que considera inimigo todo aquele que não reza pelo seu livro sagrado, até o sutil, como o que discrimina os adeptos de outras tradições religiosas e sataniza os homossexuais e os ateus.
A modernidade conquistou o Estado laico e separou o poder político do poder religioso. Porém, há poderes políticos travestidos de poder religioso, como a convicção ianque do “destino manifesto”, como há poderes religiosos que se articulam para ocupar os espaços políticos.
Até o mercado se deixa impregnar de fetiche religioso ao tentar nos convencer de que devemos ter fé em sua “mão invisível” e prestar culto ao dinheiro. Como afirmou o papa Francisco em Assis, a 5 de junho de 2013, “se há crianças que não têm o que comer (…) e uns sem abrigo morrem de frio na rua, não é notícia. Ao contrário, a diminuição de dez pontos na Bolsa de Valores constitui uma tragédia”.
Uma religião que não pratica a tolerância nem respeita a diversidade religiosa, e se nega a amar quem não reza pelo seu Credo, serve para ser lançada ao fogo. Uma religião que não defende os direitos dos pobres e excluídos é, como disse Jesus, mero “sepulcro caiado”. E quando ela enche de belas palavras os ouvidos dos fiéis, enquanto limpa seus bolsos em flagrante estelionato, não passa de um “covil de ladrões”.
O critério para se avaliar uma verdadeira religião não é o que ela diz de si mesma. É aquela cujos fiéis se empenham para que “todos tenham vida, e vida em abundância” (João 10, 10) e abraçam a justiça como fonte de paz.
Deus não quer ser servido e amado em livros sagrados, templos, dogmas e preceitos. E sim naquele que foi “criado à Sua imagem e semelhança”: o ser humano, em especial aqueles que padecem de fome, sede, doença, abandono e opressão (Mateus25, 36-41).
* FREI BETTO é escritor, autor do romance policial Hotel Brasil (Rocco), entre outros livros. Publicado em O Globo, 29.10.2016, disponível em http://oglobo.globo.com/sociedade/a-religiao-do-medo-20378879
quinta-feira, 17 de novembro de 2016
sábado, 12 de novembro de 2016
02 - POESIA VIVA * A minha mão...
Dizei-me, iluminados, onde fica
a terra decantada da utopia?
Eu quero ver a mão que modifica
o fel em mel, o choro em melodia.
Quisestes ensinar-me a boa nova
do lobo e do anho em paz pascendo juntos.
Aqui, onde a penar, do berço à cova,
de paz apenas gozam os defuntos.
Eu soube de Caim matando Abel!
Ainda quente o barro ao sol cozido…
O mel azedo transformado em fel
na mesa dos incautos é servido.
Soube também da pena de Talião…
…e mais e mais morrendo a utopia!
Que pode e que não pode a minha mão
para rasgar a treva e ver o dia?
Descubro, iluminados, que sou eu
quem vai além do barro à utopia!
Sou eu quem a si mesmo prometeu
e há-de cumprir o fim desta agonia.
José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 12 de Novembro
de 2016.
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