Diálogos de Café
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O forasteiro
Entrou e sentou-se a uma mesa
próxima da porta de entrada do Café. Discretamente, circunvagou o olhar, num
reconhecimento rápido, e esperou ser atendido. O empregado aproximou-se e disse,
como era de uso: faz favor de dizer. O homem olhou o empregado e pediu: um
café e um copo de água, por favor.
Enquanto esperava, observou a
rua quase sem movimento àquela hora. Eram quatro da tarde e o sol de Julho
ainda ardia. Se o dia tem vinte e quatro horas, em rigor eram dezasseis horas.
Não sei deveras por que dividimos o dia em manhã e tarde, mas dividimos e por
isso mesmo dizemos quatro da manhã ou da madrugada e quatro da tarde. Ora pois,
o Povo é quem faz a língua. O que mais importa é que esteja tudo certo e que
nos entendamos.
Sentados a uma outra mesa,
dois clientes comentavam a transferência de um futebolista: Dizem que o país
vai mal, mas os clubes gastam milhões em contratações. E o mais estranho
é que os doentes da clubite não reclamam por salários justos, mas
consideram muito natural esta indecência.
Insulto, queres tu dizer, corrigiu o outro. E em contratações, em salários,
em prémios…
Verdade, confirmou o primeiro. É só quando um braço de
trabalho pede aumento de salário que o patrão e o ministro falam em crise e na
tal concertação que nada concerta nem conserta nem harmoniza e só provoca a
divisão sindical, a tal divisão para reinar. E, no final de um arremedo de
controvérsia, concluem sempre o mesmo: quando o mar bate na rocha, quem se
lixa é o mexilhão.
Estavam de acordo. Difícil
era não estarem. Esgotada a conversa ou por afazeres que os reclamassem,
pagaram a despesa e saíram.
O empregado acercou-se e quis
saber: o senhor está de passagem? Aos dias de semana é isto que vê, não há
movimento.
O homem esboçou um sorriso e
respondeu: Sim, estou de passagem. Há muito que não vinha aqui. E vejo que
tudo está na mesma, poucas ou nenhumas mudanças. Está tudo muito parado e barco
parado não faz viagem.
O empregado encolheu os
ombros com desânimo e interrogou-se: antes era o que era e agora é o que
é… até há quem afirme que vamos ser um país de serviços, como se algum
país conseguisse sobreviver sem agricultura, sem indústria, sem pescas e sei lá
que mais!… É isto: antigamente ainda se fazia alguma coisa, agora compramos
tudo feito… O senhor ouviu aqueles dois clientes que saíram agora? Eles falam e
têm razão, mas não chega ter razão. E quando há jogos na cidade, fazem um
sacrifício e lá vão eles ajudar a alimentar o desaforo que aí vai! Mal
vai a coisa quando a bota não dá com a perdigota, que é como diz
criticam aceitando ou aceitam criticando. O senhor entende isto?
O homem esboçou um gesto vago
e devolveu a pergunta: quem entende isto? Nem sei se é para entender, mas a
realidade que temos é esta. Qualquer interrogação parte duma situação concreta.
É um passo em frente uma pessoa questionar e questionar-se, mas se se ficar
pela interrogação, isto é se não der o segundo passo que será o de transformar
ou tentar transformar ou ajudar a transformar a situação questionada de que
adianta questionar? Alguém escreveu, não me lembro do nome do autor desta
frase: o povo parece um cão que ladra muito, mas morde pouco. E
não se trata de um apelo à violência, se bem entendo o alcance da frase. Eu interpreto-a
como um apelo à firmeza, a uma atitude de consciente cidadania. E isto porque
um cidadão consciente conjuga o pensamento com a postura, porque só ambos se
completam.
Deve ser como diz, sim,
consentiu o empregado.
Levantando-se, o homem despediu-se:
Agora tenho de ir. Quanto devo? Tenha uma boa tarde.
José-Augusto de Carvalho
25 de Julho de 2018.
Alentejo * Portugal
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