Vivo e Desnudo

Nas estradas e encruzilhadas da vida, liberto das roupagens da vaidade e da jactância, tento merecer esta minha condição de ser vivo.

quinta-feira, 18 de agosto de 2022

17 - POEMÁRIO * Dos aedos

 


Canto Revelado
*
Dos aedos







Os aedos cantaram as novas,

palmilhando caminhos plurais.

Eram novas vestidas de trovas,

de rimances e de madrigais.




Nos lugares do reino, perdidos

entre vales e extensas planuras,

luminárias e círios ardidos

nos vestígios do tempo às escuras.




Eram simples os versos rimados,

no rigor das formais redondilhas,

sublimando, nos antepassados,

o Princípio a florir maravilhas.




Nos azuis sem portais do interdito,

os cativos do chão que pisamos,

mais além, a verdade no mito,

revelada no Céu que voamos.




José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 14 de Agosto de 2022.

17 - POEMÁRIO * Entre sombras


NA ESTRADA DE DAMASCO

*
Entre sombras







Foi banhar-se nas águas dos rios.

Quis lavadas as nódoas de sangue.

Quatro rios parados e frios

e um destino de sedes exangue.



Escondida entre as ervas daninhas

que irrompiam nas margens dos rios,

a serpente ensaiava escarninhas

armadilhas em outros ousios.




Do que fora o Jardim-Paraíso,

só da lenda a memória difusa,

extinguindo-se em traço impreciso.




Tudo o mais que se afirma e recusa

não mais é que travesso sorriso

a tentar-nos nos lábios da musa.





José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 16 de Agosto de 2022.

sábado, 13 de agosto de 2022

17 - POEMÁRIO * Na voragem




CANTO REBELADO

.

Na voragem




Chegaram em tropel os cavaleiros.

Empunham lanças, erguem estandartes.

De Torquemada ingénitos herdeiros

de imolações, mordaças e outras artes

do opróbrio dos carrascos justiceiros.

.

Trombetas galvanizam os vassalos.

Agita-se convulsa a humana massa.

Nervosos e fogosos os cavalos,

de condição corcéis de pura raça,

só a bridão conseguem refreá-los.

.

O povo-servo observa boquiaberto,

nostálgico das mortas primaveras.

Os velhos olham o presente incerto

no insólito aparato de outras eras,

como quem lê um livro há muito aberto.

.

Exaustos e arrimados aos cajados,

que as forças já em pé mal os sustentam,

prevêem, nos espaços enublados,

as fúrias que implacáveis se concentram

no apocalipse dos homiziados.

.

Na Torre de Menagem aparece

o títere amestrado e fala às massas.

No Céu de chumbo, o dia que escurece

no trágico prenúncio de desgraças...

...e eu balbucio a derradeira prece.

.

José-Augusto de Carvalho

Alentejo, 13 de Agosto de 2022.

sábado, 16 de julho de 2022

17 * POEMÁRIO * In extremis

                                                         

                                                    NA ESTRADA DE DAMASCO

*
In extremis





De sobressalto em sobressalto, aqui cheguei.
Foi quando, morto de exaustão, adormeci.
Depois, aos poucos, entrevi a Tua Lei
e a graça dada, confortado, agradeci.


Nos quatro rios do teu Éden mergulhei.
Nas mansas águas cristalinas, percebi
quantas vorazes tentações em mim lavei
para sentir-me, aqui, mais próximo de Ti!...


Tentei usar o livre arbítrio que me deste,
sem infringir a rectidão da Tua Lei,
na comunhão do verbo e sacros mandamentos.


Sem culpa nem pecado, a lama que em mim reste
lavada seja no mar morto onde salguei
o fel que insiste em perdurar no uivar dos ventos...



José-Augusto de Carvalho
Lisboa, 11 de Julho de 2022.

sábado, 13 de novembro de 2021

17 - POEMÁRIO * Identidade (catarse)

 Esta lira de mim!...

*

Identidade (catarse)



Talvez eu tenha sido um sonho (ou pesadelo?)

de um deus que já morreu.

Que importará sabê-lo?

Hoje, me bastará saber que aconteceu.


Neste determinismo, existo porque existo.

Efémero, cheguei; angústia permaneço.

A dúvida instalou-se, eu sei, mas não insisto.

Quando o meu fim chegar, exausto e morto, esqueço.


Aos medos abismais, deixo, por testamento,

a queda a revelar-se

que ainda represento

sem artifícios, cara a cara e sem disfarce.


.

José-Augusto de Carvalho

Lisboa, 10 de Novembro de 2021.

domingo, 7 de novembro de 2021

17 - POEMÁRIO * Oração

 

NA ESTRADA DE DAMASCO

(livro em preparação)

*

Oração

 

Na farsa da serpente, repetida,

Senhor, caí, incauta, em tentação!

E quando, aflita, supliquei guarida,

a graça recebi na provação.


Em dor e sal, cumpri a penitência.

Saída da caverna, o dia claro

as sombras extinguiu sem complacência

e a luz foi graça e foi o meu amparo.


Perdida regressei e salva sigo

na tua estrada austera de exigência,

que é minha direcção e meu abrigo.


E na verdade pura da decência,

escrevo os versos dum cantar de amigo,

com o candor sublime da inocência.

 

.

José-Augusto de Carvalho

Alentejo, 7 de Abril de 2021

sexta-feira, 5 de novembro de 2021

01 - POSIÇÃO * Informaçao

Informação 
 
 


 Aos leitores deste meu espaço devo uma justificação que peca por tardia. 
Penitenciando-me, apenas me restará socorrer-me do estafado pedido de desculpas que encerra a frase popular "mais vale tarde do que nunca". 
 A justificação da minha falta consiste em profundas perturbações que ocorreram na minha vida privada, perturbações que me restringiram disponibilidade de tempo e me afectaram psicologicamente. 
Outrossim, o meu estado de saúde e a minha idade me limitam, o que eu considero natural e inevitável.
Tento agora regressar e prosseguir o meu caminho de sempre: "Escrevo o que sinto / e sinto o que escrevo,/ e é porque no minto /que a tudo me devo."
Cordiais saudações 
José-Augusto de Carvalho 
Alentejo (Portugal), 4 de Novembro de 2021.