Nas estradas e encruzilhadas da vida, liberto das roupagens da vaidade e da jactância, tento merecer esta minha condição de ser vivo.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

08 - CIDADANIA * «Tento na Língua»

Pela sua inegável importância, aqui se releva este trabalho do senhor António Marques, retirado, com a devida vénia, do seu blog http://tentolingua.wordpress.com/

Gralhas que por aí grasnam
Erros que por aí grassam


“Tratam-se de”?! Não! “Trata-se de” – erros de “excelência” abusadaAntes de mais, ‘abusada’, porque são incorrecções (que abusam da norma); de ‘excelência’, porque são cometidos por utentes da língua, por vezes grandes plumitivos, que tinham (têm) por obrigação dar exemplo. E, não só não dão exemplo, como até, às vezes, se arrogam o direito de se obstinarem no erro, como quem diz que assim é que deve ser. Ou seja, decretam a abolição da norma e, logo a seguir, decretam como norma a sua opinião, que não passa disso e ainda por cima é… incorrecta. Vejamos então alguns exemplos (maus exemplos…).

“Só publicamos audiências do primeiro-ministro com outros governantes quando se tratam de primeiros-ministros […] “ (DN 13/NOV/07, p. 20. Negrito nosso).

Este erro é um dos que se ouvem e se lêem a toda a hora nas televisões, nas rádios e nos jornais, saído muitas vezes da pluma de grandes plumitivos, mesmo em jornais ditos de “referência”, como neste caso. Trata-se nem mais nem menos do que da expressão verbal tratar-se de que, nesta acepção, é impessoal, ou seja, só se usa, como todos os verbos impessoais, na 3ª pessoa do singular: trata-se disto, trata-se daquilo. Trata-se, aqui, de confusões gramaticais, de incorrecções, de ignorância. Corresponde ao francês il s’agit de, também impessoal, quer se trate de uma só coisa ou de muitas coisas. E quer se trate do português – trata-se de, tratou-se de, tratava-se de –, quer do francês – il s’agit de, il s’agissait de –, os dois casos têm a ver com o latino agitur (= trata-se), donde herdaram, certamente, a sua impessoalidade.

Outro caso: “A Al-Arabiya exibiu duas novas fotografias de soldados americanos, pousando [sic] ao lado de um iraquiano morto enquanto sorriam e exibiam os polegares erguidos, indicando que se tratavam [sic] de novas imagens de abusos cometidos em Abu Ghraib.[…] “ (DN 21/Maio/07, p. 14)

Vejamos, devidamente corrigida, a incorrecção referida (segunda sublinhada): “…indicando que se tratava de novas imagens de abusos cometidos…”. Vejam bem: “que se tratava” e não “que se tratavam”. Digo-lhes uma coisa: se eu fosse a contar as vezes que, num só dia, leio ou ouço esta incorrecção linguística, era capaz de passar da dezena…

Na segunda linha da citação, podemos ver outro erro que, já agora, vamos também tentar explicar: trata-se do verbo pousar, incorrectamente usado em vez de posar. Temos em português o neologismo posar (pronunciar como se o ‘o’ tivesse acento circunflexo) que nos veio do francês poser e que, segundo os dicionários, que de data recente o registam como neologismo/galicismo, significa: “Tomar posição conveniente para se deixar pintar ou fotografar. / Fazer-se notado, assumir atitudes de quem está sendo muito observado.” Presente do indicativo: eu poso, tu posas, ele posa, nós posamos, vós posais, eles posam. No texto jornalístico, confundiu-se posar com pousar que tem significado diferente, deriva do latino pausare e significa: colocar, pôr, assentar. Podem ser considerados parónimos e é daí certamente que vêm estas confusões. De notar que o francês poser abrange os significados dos dois parónimos portugueses.

Senhores jornalistas, orais ou escreventes, daqui lhes peço, pelas alminhas que lá têm, que não cometam mais esses abusos linguísticos. Trata-se, para classe de tanto poder, de coisas que têm a ver com honra, com brio, com orgulho de classe, pois então!…

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