Portugal vai do Minho a Timor!
Portugal não é um país pequeno! E sobre o mapa da Europa projectava-se toda a geografia colonial.
A grandeza de um país media-se em quilómetros quadrados!
As caravelas de antanho pretendiam-se ressuscitadas agora na violência e na opressão!
O quinto império, que jamais o do Padre António Vieira, havia de impor-se sob a vontade de um fantasma medieval!
As trevas da Inquirição dita santa estavam de regresso!
A impiedade sacrílega e profana dos senhores da vida e da morte proclamava a sua vontade!
Os domesticadores do destino ditavam a Lei da Força!
E as asas privadas da sua sede de infinito!
E um povo triste que sofria, em silêncio!
Subversiva, uma resistência clandestina dizia não!
Arrastava-se o ano de 1965…
No quarto, pobremente mobilado, a espera pesava. Sentado na cama, ausente de tudo e de todos, Silvério. Quem era? Mais um desenraizado, trazido à cidade grande, onde cabia todo o desespero do mundo.
Aqui, Portugal era Lisboa… e o resto só paisagem!
Nos campos desertos, o tempo parara. A guerra, nas Áfricas!
E as Franças e as Alemanhas, a ânsia dum destino, a salto!
Na rua, erguia-se o palco e representava-se a farsa: Portugal não é um país pequeno!
Cabisbaixos, os transeuntes tentavam ignorar o drama que eram forçados a representar.
Autocarros, eléctricos, automóveis. O vaivém rotineiro da cidade grande.
A chinfrineira de um eléctrico despertou-o. Circunvagou o olhar. Lá estava o monte de livros, empilhados, no chão. Lá estava o guarda-fato, com o seu espelho indiscreto, reflectindo ausência.
Tenho de decidir-me. Ou fico ou parto. Esta indecisão não me leva a nada. E se ficar, como resistir, sozinho? Seria uma loucura e um suicídio. E se partir, para onde irei? E como iria? De comboio, de barco ou de avião é impossível. Ainda que tivesse passaporte, a polícia política não mo permitiria. A hipótese seria a França, mas como atravessar a Espanha até aos Pirenéus sem um passador e sem dinheiro bastante para pagar-lhe? Estou encurralado. Ficarei.
Pressurosa, a senhora Mariana, sua compreensiva hospedeira, uma mulher simples do povo sem voz, perguntou, timidamente, do corredor:
--- O senhor Silvério chamou? Pediu alguma coisa?
--- Não, não chamei, senhora Mariana. Estava pensando em voz alta… --- respondeu aborrecido por aquela fraqueza. --- Que diriam as pessoas ouvindo-o falar sozinho?
Os passos da senhora Mariana, no corredor, de regresso à cozinha, esmoreceram-se e o silêncio pesado regressou ao quarto.
Anoitecia. O movimento, na rua, era, agora, menor. A fraca iluminação semeava sombras e medos. Uma saudade vaga e nebulosa da infância e do tempo perdido doía-lhe no peito.
A noite caíra.
A senhora Mariana bateu discretamente na porta e perguntou:
--- O senhor Silvério não acha que se faz tarde para jantar?
--- Hoje não me apetece. Desculpe não lhe fazer companhia. Merendei tarde e dói-me a cabeça.
Pesado, o silêncio impôs-se definitivamente.
Lá fora, a brisa fresca do outonal Novembro levava para longe as folhas amarelecidas das árvores que assombravam a rua solitária.
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José Augusto de Carvalho
Lisboa, 1969
Revisto em 16 de Julho de 2014.
Viana *Évora*Portugal
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