Nas estradas e encruzilhadas da vida, liberto das roupagens da vaidade e da jactância, tento merecer esta minha condição de ser vivo.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

08 - CIDADANIA * O regresso ao caos?

NA PALAVRA É QUE VOU… 

O regresso ao caos? 





A desvalorização ostensiva de tudo o que não nos afecta directamente, a indiferença pela amargura do outro, o umbigocentrismo de tantos e tantos, é uma mazela social purulenta que reclama tratamento imediato. 

O humanitarismo religioso e profano definha e estás prestes a agonizar. 

Viva eu! 

Viva eu e os outros que se danem! 

Ai de mim se não for eu! 

O objectivo é cada um de per si safar-se ou virar-se como puder? 

Será que cada um de nós vive numa ilha deserta? 

Será que cada um de nós não é parte de um contexto social onde há direitos e deveres indeclináveis? 

Será mesmo uma realidade consagrada que “a pimenta no ânus do outro é refresco para mim”? (Reconheço a grosseria desta “sabedoria” dita popular, mas a sua brutalidade é deveras ilustrativa e soa como um grito de alarme.) 

E chegámos aqui depois de séculos e séculos de doutrinação religiosa; depois de Humanismos e Iluminismos; depois da Liberdade, Fraternidade e Igualdade da Grande Revolução Burguesa de 1789, em França; depois de manifestos e mais manifestos; depois de Declarações de Direitos e Deveres, da ONU; depois de Constituições Políticas em vigor proclamando o Direito, a Justiça, a Defesa da Vida, a Concórdia e a Paz… e eu sei lá mais o quê! 

Os raros reconhecidos como salvadores do ser humano, da fauna e da flora, do planeta que é o nosso lar maior, disseram e demonstraram a justeza dos seus ensinamentos. E que lhes sucedeu? Foram perseguidos, foram presos, foram condenados, foram sacrificados com requintes de crueldade como se fossem perigosos malvados a abater sem piedade. O mandamento “Não matarás” é uma das muitas utopias… 

Afinal, o que somos? 

Afinal, o que queremos ser? 

Todos os dias, a todas as horas proclamamos uma única revelação --- a perdição. 

Herdámos a Esperança de um futuro melhor; nem a perdição deixaremos por herança porque nos apressamos a matar também os nossos herdeiros. 

Será o regresso ao caos. 

Não me considero um pessimista; também não sou seguramente um optimista delirante; mas com a lucidez que considero ter, o que vejo e ouço e leio deixa-me profundamente preocupado. Há um desnorte instalado. Os povos, aqui e ali cirurgicamente alienados, engrossam as levas de cordeiros para os matadouros, para os açougues. E recordando um dos cruelmente injustiçados, também me surpreendo muito mais com o silêncio dos justos do que com as vociferações dos vis e dos acéfalos. 

Já não tenho idade para ter medo, mas enquanto for vivo sentirei um profundo desgosto vendo ruir o sonho maior da instauração da dignidade da Vida. 

Termino com a transcrição da frase que li ou ouvi a uma actriz brasileira: “se o mundo é isto, parem o bonde, porque eu quero descer.” 


José-Augusto de Carvalho 
10 de Janeiro de 2019.
Alentejo * Portugal

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