NA PALAVRA É QUE VOU…
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O regresso ao caos?
A desvalorização ostensiva de tudo o que não nos afecta directamente, a indiferença pela amargura do outro, o umbigocentrismo de tantos e tantos, é uma mazela social purulenta que reclama tratamento imediato.
O humanitarismo religioso e profano definha e estás prestes a agonizar.
Viva eu!
Viva eu e os outros que se danem!
Ai de mim se não for eu!
O objectivo é cada um de per si safar-se ou virar-se como puder?
Será que cada um de nós vive numa ilha deserta?
Será que cada um de nós não é parte de um contexto social onde há direitos e deveres indeclináveis?
Será mesmo uma realidade consagrada que “a pimenta no ânus do outro é refresco para mim”? (Reconheço a grosseria desta “sabedoria” dita popular, mas a sua brutalidade é deveras ilustrativa e soa como um grito de alarme.)
E chegámos aqui depois de séculos e séculos de doutrinação religiosa; depois de Humanismos e Iluminismos; depois da Liberdade, Fraternidade e Igualdade da Grande Revolução Burguesa de 1789, em França; depois de manifestos e mais manifestos; depois de Declarações de Direitos e Deveres, da ONU; depois de Constituições Políticas em vigor proclamando o Direito, a Justiça, a Defesa da Vida, a Concórdia e a Paz… e eu sei lá mais o quê!
Os raros reconhecidos como salvadores do ser humano, da fauna e da flora, do planeta que é o nosso lar maior, disseram e demonstraram a justeza dos seus ensinamentos. E que lhes sucedeu? Foram perseguidos, foram presos, foram condenados, foram sacrificados com requintes de crueldade como se fossem perigosos malvados a abater sem piedade. O mandamento “Não matarás” é uma das muitas utopias…
Afinal, o que somos?
Afinal, o que queremos ser?
Todos os dias, a todas as horas proclamamos uma única revelação --- a perdição.
Herdámos a Esperança de um futuro melhor; nem a perdição deixaremos por herança porque nos apressamos a matar também os nossos herdeiros.
Será o regresso ao caos.
Não me considero um pessimista; também não sou seguramente um optimista delirante; mas com a lucidez que considero ter, o que vejo e ouço e leio deixa-me profundamente preocupado. Há um desnorte instalado. Os povos, aqui e ali cirurgicamente alienados, engrossam as levas de cordeiros para os matadouros, para os açougues. E recordando um dos cruelmente injustiçados, também me surpreendo muito mais com o silêncio dos justos do que com as vociferações dos vis e dos acéfalos.
Já não tenho idade para ter medo, mas enquanto for vivo sentirei um profundo desgosto vendo ruir o sonho maior da instauração da dignidade da Vida.
Termino com a transcrição da frase que li ou ouvi a uma actriz brasileira: “se o mundo é isto, parem o bonde, porque eu quero descer.”
José-Augusto de Carvalho
10 de Janeiro de 2019.
Alentejo * Portugal
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