Nas estradas e encruzilhadas da vida, liberto das roupagens da vaidade e da jactância, tento merecer esta minha condição de ser vivo.

sábado, 15 de dezembro de 2018

02 - POESIA VIVA * Agora nós!



CANTO REVELADO

Agora nós! 


Esquerda: Desenho de Michelangelo nos estudos feitos na Cappella Brancacci 
para a Capela Sistina. Os desenhos se encontram em Paris, no Louvre.
Direita: Expulsão de Adão e Eva - Masaccio - Cappella Brancacci 





Sem Cosmos e sem Deus, ficámos sós. 

Olhámo-nos após a queda abrupta: 

restava o galho ou disputar a gruta 

e a decisão final --- agora nós! 



E vamos, nesta história mal contada, 

Narcisos sem espelho de água clara, 

na busca de nós mesmos, que não pára, 

na busca milenar de ser buscada. 



Buscar que é um processo definido 

na condição de verbo transitivo: 

Buscar o quê? O que ficou cativo? 

O Paraíso onírico e perdido? 



Ousamos mais aqui, ali nem tanto, 

sempre ao sabor dos ânimos e anseios, 

como se tudo fossem os gorjeios 

angelicais de algum sonhado canto… 



Nas horas de incerteza ou pasmaceira, 

arengam charlatães as ladainhas 

de pobres, de milagres, de rainhas, 

de pão sem ter havido sementeira… 



E numa procissão de migrações, 

andamos, transumantes sem rebanhos, 

no mundo que é o nosso, como estranhos, 

erguendo totens e outras perdições. 



O resultado somos, liquefeito, 

nos tempos desta pós-modernidade: 

modelo modelado --- identidade 

em tudo igual do avesso e do direito. 





José-Augusto de Carvalho 
15 de Dezembro de 2018. 
Alentejo * Portugal


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