Nas estradas e encruzilhadas da vida, liberto das roupagens da vaidade e da jactância, tento merecer esta minha condição de ser vivo.

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

02 - POESIA VIVA * Caminhos velhos





Por que insistes nas velhas estradas



que já sabes aonde vão dar?



Por que tanto receias ousar



rasgar novas estradas



no abandono das terras cansadas



de esperar?







José-Augusto de Carvalho

Alentejo, 29 de Setembro de 2016.

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

02 - POESIA VIVA * Tempo clandestino



Para todos aqueles que se deram na luta contra o fascismo 

no rigor da clandestinidade





As ruelas de terra batida

ocultaram a minha partida.



O negrume da noite tragou-me

numa cúmplice fuga.

Uma sombra furtiva e sem nome

que do rosto uma lágrima enxuga.



Em redor, o silêncio pesado

dos malteses do medo e do espanto

e os rafeiros rosnando ao cajado

que à distância mantém o levanto.



Chego, enfim, à estrada deserta.

Doravante, o caminho é obscuro.

E assim vou, de sentidos alerta…

E assim vou esventrando o futuro…





José-Augusto de Carvalho
Lisboa, 18 de Março de 1997.

sexta-feira, 23 de setembro de 2016

02 - POESIA VIVA * Do verbo




Saber!... e levo a vida a conjugar

o verbo encadeado nos seus tempos…



Confunde-me o presente afirmativo,

duma falaz jactância impertinente…



Diverte-me o pretérito insolente,

dourando as ignorâncias atrevidas…



Agrada-me o futuro na vontade,

de uma indulgência cúmplice e longínqua…



Detesto o autoritário imperativo,

explícito ordenado na desordem…

(… quando temor que baste já eu sofro

tentando conjugar em vão o verbo,)



Serei a vida inteira um aprendiz…

Benditos sejam os supostos mestres!





José-Augusto de Carvalho
Lisboa, 14 de Abril de 1997
Alentejo, 23 de Setembro de 2016.

02 - POESIA VIVA * Quem (2)



(Do baú do esquecimento)


Quem (2)






Quem disse e já não diz

que os nossos pés alados

são na terra a raiz

de astros incendiados?



Quem quis e já não quer

ser verbo que futura,

enquanto o sangue der

cor viva ao que procura?



Quem disse e nega agora

ter dito e defendido

que o drama que nos chora

não mais seria havido?



A quem tanto exaspera

o sol da Primavera?





José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 1 de Fevereiro de 1999.
Alentejo, 22 de Setembro de 2016.

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

07 - BRASIL * Mensagem aos liberais, com alguma ironia

OUTRASPALAVRAS

Mensagem aos liberais, com alguma ironia

160916-temer


Sentimos muito informar aos que apoiaram o golpe por acreditarem no liberalismo: vocês foram enganados. De verde e amarelo. Não lhes cabe outra alternativa coerente a não ser se juntar ao “Fora, Temer”
Por Camila Spósito
Consumado o impedimento da presidenta Dilma, os planos de Temer para espoliar a população mais carente e mais necessitada de auxílio governamental, travestido de modernização e guinada liberal, se impõem sem qualquer debate, confirmando o caráter autoritário do governo [1]. Que os defensores do liberalismo não se enganem: Temer e sua gangue não são livres pensadores liberais em defesa da liberdade do cidadão de bem contra o Estado supostamente inchado e parasita.
Eles utilizar-se-ão dessa linguagem arcaica, com mesóclise, recheada pelo igualmente arcaico mote liberal do “progresso” (“A ponte para o futuro”) para esconder o assalto às instituições e aos direitos mais básicos, em nome da manutenção de certos privilégios de poucos grupos econômicos, o que é totalmente avesso ao discurso liberal.
Temer não respeita a liberdade, os direitos políticos
Para começar, um verdadeiro liberal respeita direitos políticos. Estes foram os primeiros a ser relativizados, com a anulação dos votos de mais de 54 milhões de brasileiros e a retirada de uma presidenta legitimamente eleita sem a consumação de qualquer crime.
Durante e depois do “processo” de impeachment, que de processo legal só teve um verniz de péssima qualidade, concedido por algumas poucas figuras jurídicas anônimas para o país até então, mas cuja má reputação já há muito era conhecida por seus colegas de profissão, os direitos políticos de manifestação, de liberdade de expressão, de ir e vir dos opositores a Temer, civis e jornalistas, foram e são sistematicamente desrespeitados.

É por isso que grande parte da população esclarecida está chamando o impeachment de golpe – não necessariamente em apoio a Dilma, mas em rechaço à quebra do pacto democrático.
Temer é corporativista
Um liberal de verdade não favorece nenhum interesse econômico. É a favor da livre concorrência e livre iniciativa, inclusive nas relações intra-estatais. Favorecer a uns em detrimentos de outros dentro do paradigma capitalista é coisa que somente os fascistas fizeram abertamente, o que se chamou corporativismo.
Surpreendentemente ou não, o governo Temer é o mais claramente corporativista dos últimos anos – começa anunciando cortes na máquina pública, mas somente nos ministérios que são irrelevantes e até prejudiciais aos interesses de empresários e agricultores, como o ministério da Cultura, do Desenvolvimento social e do Combate à fome e do Trabalho e Emprego. Nenhum corte ou alteração nos ministérios da Agricultura, da Fazenda ou da Defesa.
Tais cortes sequer tiveram uma redução expressiva nos gastos totais, mostrando que o compromisso de Michel não é desinchar a máquina pública, mas é desarmar institucionalmente os interesses populares e favorecer uma certa elite. Falemos então de gasto público :
Temer mantém gastos públicos
Foram anunciados cortes nos gastos e subsídios que mais impactam na vida do trabalhador de baixa renda, como o FIES e o Minha casa minha vida. Ocorre que tais programas beneficiam milhares de brasileiros e estão longe de ser os maiores gastos da União — ou seja, valem a pena proporcionalmente.
Demonizar os gastos sociais desse tipo é a melhor forma de desviar a atenção para os verdadeiros e expressivos gastos que impedem o Brasil de avançar nos compromissos inscritos em sua Constituição.
Segundo o Tesouro Nacional, os principais gastos com subsídios são para programas de sustentação do Investimento (PSIs), que financiam a compra de máquinas e equipamentos por meio do BNDES, ou seja, beneficiam empresários investidores. Embora tenham sido verificados cortes nesses tipos de subsídios, os gastos desses continuam sendo expressivos.
O grande ralo que drena o nosso dinheiro é o orçamento financeiro, ou seja, o pagamento de juros de dívidas públicas, interna e externa. Continuamente, grande parte do nosso dinheiro produzido é mensalmente sequestrado por bancos. O processo de financeirização da dependência acompanhou a financeirização do capitalismo, comandado por bancos internacionais que tratam os países em desenvolvimento como plataformas de valorização de seus capitais, investindo uma quantia que triplica em juros/lucros exorbitantes e são quase que completamente enviados às sedes nos países desenvolvidos. Os lucros dos bancos que são conquistados mantêm o Brasil como colônia refém de seus credores históricos.
Temer não reduzirá impostos
Vamos falar de impostos? O garoto propaganda do impeachment foi um pato inflável, da FIESP, que prometia a redução de impostos aos cidadãos comuns após a retirada de Dilma. Mal assumiu, Henrique Meirelles, ministro da Fazenda de Temer, anunciou a criação de um possível imposto temporário [6]. Um manifestante liberal que apoiou o pato deve estar se sentindo um, agora.
Os únicos impostos que estão sendo ameaçados são os mais importantes para a grande maioria da população mas irrelevantes e até prejudiciais para a elite empresária, ou seja, as contribuições trabalhistas.
Após o impeachment, vemos anúncios diários sobre aumento da jornada de trabalho, o que significa mais espoliação do trabalhador em favor dos lucros empresariais e contraria a tendência nos países desenvolvidos, confirmando nossa posição dentro da divisão internacional do trabalho.
Quando não se fala em aumento da jornada diretamente, fala-se em contratos de trabalho por produtividade e hora trabalhada, eufemismo para fazer você trabalhar sem limite de horas e/ou qualquer garantia de descanso semanal ou férias, à discricionariedade do empregador.
A crueldade de tal medida fica ainda mais clara quando lembramos o maior peso da carga tributária provém de impostos indiretos, aqueles embutidos nos produtos comprados por esses mesmos trabalhadores (ICMS, IPI).
Ou seja, na arrecadação total do Estado, os trabalhadores já contribuem muito mais do que os empresários e as empresas proporcionalmente e as reformas trabalhistas virão para retirar as poucas garantias que as contribuições trabalhistas lhes proporciona. Nenhuma palavra sobre o imposto sobre grandes fortunas, compromisso da Constituição que jamais foi colocado em prática.
Conclusão – liberais devem se juntar aos gritos de “Fora, Temer”
Concluindo, a bandeira liberal não cabe dentro dos projetos de Temer. Não é a favor da liberdade política e nem da livre iniciativa, não tem compromisso real com redução dos gastos (descartada caso incomode os setores que apoiaram sua ascendência ao poder). Nem sequer demonstra um tratamento diferenciado com as contas públicas, visto que tão logo se concretizou o impeachment, Temer publicou um Decreto autorizando as pedaladas fiscais que tanto condenou em Dilma.
Sentimos muito em informar àqueles que apoiaram o golpe por acreditarem no liberalismo: vocês foram enganados. De verde e amarelo. Não lhes cabe outra alternativa coerente a não ser se juntar aos manifestantes opositores desse governo interino e ao Fora Temer.
1 Não que pudéssemos esperar algo diferente de um presidente empossado em condições absolutamente ilegais, que utiliza força policial contra seus opositores em plena olimpíada e discursa em rede nacional inaugurando repressão semântica da palavra golpista.

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

02 - POESIA VIVA * A falaz rotação




Há momentos na Vida

em que todos os homens são reis.



Não sei quem o afirmou,

mas sei bem que falando de reis

falarei, com certeza, de súbditos.

Eu prefiro a res publica.

Velha Grécia das ágoras,

Velha Grécia de Demos e kratos

vem valer-nos nesta hora à deriva!



Persistimos reféns da caverna.

É de sombras o nosso alimento.

Sombras vãs, fugidias, incertas,

num desfile de máscaras

deste nosso ancestral carnaval.



E nós vamos na marcha bailada,

sem cuidados,

inocentes meninos

inocentes meninas

de dançares de roda

em jardins ou recreios de escola.



Ébrios todos ou não(?)

nesta roda que gira

ou que finge que gira

imitamos o velho pião

na falaz rotação…







José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 21 de Setembro de 2016.

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

07 - BRASIL * As palavras que a direita teme ouvir

OUTRASPALAVRAS

Publicado em 13 de setembro de 2016 por Redação

As palavras que a direita teme ouvir


Sinal dos tempos: “Clarin” argentino pede artigo a jornalista brasiledepois engaveta-o, Motivo: em tempos de Macri e Serra, ela ousou mencionar a “submissão aos EUA”…
Por Eleonora de Lucena
Fui censurada pelo “Clarín”. O jornal argentino me encomendou um artigo sobre o impeachment. Escrevi e enviei. Pediram para eu “amenizar” trechos. Especificamente não queriam que eu falasse em “submissão aos EUA”. Recusei fazer qualquer modificação no texto. Há duas semanas ele está numa gaveta virtual em Buenos Aires.
Para registro, aí vai o que o “Clarín” não quis publicar.
Um golpe à democracia e à soberania na América Latina
O julgamento de Dilma Rousseff atropela a democracia e expõe de maneira crua o embate de interesses antagônicos na América Latina. De um lado, um projeto de integração regional sem submissão aos Estados Unidos; de outro, a volta das conhecidas “relações carnais” com o império do Norte.
O governo de Michel Temer mostra que quer esvaziar o Mercosul. Repetindo ardis usados internamente no país, manobra para golpear essa construção da união sul-americana que vai muito além de acertos comerciais.
De supetão, dá início a uma onda de privatizações, vendendo um naco do pré-sal brasileiro, onde estão valiosas reservas de petróleo. Tenciona desidratar e esquartejar a Petrobras, ícone de uma proposta independente de desenvolvimento e objeto de desejo de companhias estrangeiras.
Temer anuncia cortes em gastos em saúde, educação e previdência. Planeja desmantelar conquistas trabalhistas obtidas desde meados do século 20. Almeja transferir renda dos mais pobres para os mais ricos: projetos sociais serão podados para garantir o pagamento dos juros estratosféricos pagos à elite.
É a reedição de um enredo já desenhado no Paraguai e em Honduras: um golpe sem tanques que corrói as instituições para minar a independência. Num ritual kafkaniano, políticos acusados de corrupção votam a cassação de uma presidente que todos reconhecem ser honesta.
Nos anos 1990, com governos neoliberais, a América Latina experimentou uma combinação de concentração de renda, desindustrialização, privatizações selvagens e perda de soberania. A Argentina viveu com radicalidade esse processo. Nas ruas, o derrotou.
Agora, as mesmas armações daquele tempo tentam ressuscitar no continente. Aproveitam a situação adversa na economia e disseminam um discurso de ódio, preconceito e intolerância. Conquistam, assim, fatias das classes médias, muitas vezes refratárias à ascensão que os mais pobres obtiveram nos últimos anos.
O movimento precisa ser entendido dentro da atual crise capitalista e das mudanças na geopolítica mundial. O capital financeiro busca garantir ganhos na América Latina. Necessita derrubar barreiras de proteção na região _o que é mais viável com governos dóceis, também dispostos a vender ativos a preços baixos.
Enquanto se atolavam na guerra do Iraque e adjacências, os EUA viram a influência da China crescer de forma exponencial no continente sul-americano. O petróleo, os minérios, a água, os mercados internos, as empresas inovadoras _tudo é alvo de interesse externo.
Nesse contexto de disputa é que devem ser analisadas as intenções norte-americanas de instalar bases militares na Argentina _na tríplice fronteira e na Patagônia. O império volta a se preocupar com o que considera o seu eterno quintal.
O impeachment de Dilma é peça chave no xadrez de poder da região. Afastar quem não se submete a interesses dos EUA será uma advertência aos países. O processo, que deixa as instituições brasileiras em farrapos, demonstra, mais uma vez, como a voracidade dos mercados e a força imperial são incapazes de conviver com a democracia.
ELEONORA DE LUCENA, 58, jornalista, é repórter especial da Folha de S. Paulo. Foi editora-executiva do jornal de 2000 a 2010.

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

02 - POESIA VIVA * Perguntas de um cidadão vulgar




Na esteira de Brecht…

Perguntas de um cidadão vulgar


Quem enlutou Granada, a cidade amada do poeta?

Nos livros, todos lavam as mãos, como Pilatos.

Onde foi sepultado o poeta e com ele o feitiço da Poesia?

Os livros nada dizem e eu não posso ir chorar no seu túmulo ensanguentado.


*

Badajoz tem uma praça de touros assombrada.

Quem entregou os patriotas vencidos ao pelotão de fuzilamento dos fascistas?


*

Era dia de mercado em Guernica, a vila basca.

Em nome de que causa aviões lançam bombas sobre mulheres e crianças?


*

Espanha ficou viúva.

Onde estavam os autoproclamados arautos da liberdade dos povos?


*

Depois da carnificina, o carniceiro recebeu felicitações pela vitória.

Que vitória?

Quem felicitou?


*

O povo de Espanha em vão pediu auxílio a Paris.

A neutralidade cúmplice impôs a sua lei e Espanha ficou sozinha.

Um ano depois, os nazis desfilavam em Paris.

A neutralidade serve-se fria.


*

Quando a besta caiu, cantaram loas à liberdade,

mas nenhuma das vítimas caídas cantou.

*

Quando o Coronel Arbenz caiu, a Nicarágua caiu com ele.

O católico Arbenz foi claro: a Nicarágua está muito longe de Deus

e muito perto dos Estados Unidos da América.

Acta da Assembleia Geral da ONU regista. Quem sabe disto?


*

1973. Chove em Santiago!

O Governo Popular caiu em 11 de Setembro.

Allende tombou nos escombros do palácio presidencial bombardeado.

Hoje, os jornais não dizem nada.

Hoje, as rádios não dizem nada

Hoje, as televisões não dizem nada


*

O terrorismo é uma chaga.

O terrorismo de estado é uma chaga.

6 de Agosto de 1945, adeus Hiroshima!

9 de Agosto de 1945, adeus Nagazaki!

Mais de quinhentas mil vítimas da agressão nuclear.

Barbaridade? Não, foi a guerra…

*

2001, o terrorismo afronta o Tio Sam.

Três mil vítimas indefesas. Paz às suas almas!

E os jornais escrevem, chorosos.

E as rádios falam, chorosas.

E as televisões, chorosas, dão imagens da barbárie.

Por que são choradas apenas algumas das vítimas da barbárie?

*
Tantas perguntas sem resposta!

*
José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 11 de Setembro de 2016.

terça-feira, 6 de setembro de 2016

02 - POESIA VIVA * O perene murmúrio




Eu não sei se a palavra é bastante
para abrir os portais do horizonte.
Não sei mais se esta sede te cante,
se o feitiço da múrmura fonte.


Alguém diz: a nascente secou.
Ninguém ouve ou ninguém quer ouvir.
A notícia ninguém confirmou,
ninguém sabe o que está para vir.


O silêncio baloiça hesitante
no abandono dos lábios gretados.
Não há sede nem fonte que cante
os portais que persistem fechados.


Vem tão quente o verão! É de lume!
Há um auto profano a pairar
sobre as levas que em dor e azedume
resignadas recusam ousar.


E a palavra que não é bastante
cai aos pés dos portais do horizonte…
Que esta sede já velha te cante
o perene murmúrio da fonte!




José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 6 de Setembro de 2016.

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

02 - POESIA VIVA * Cantar tem hora!






Não canto, não me apetece


nem há motivo p’ra tal.


Se a Primavera trouxesse


outra canção no bornal,


ai, aí, eu cantaria


o elogio da Poesia.






Versos raiados de cores


e de silvestres perfumes,


embriagados de amores


sem ciúmes nem queixumes.


Versos rubros de manhã


em doçuras de romã.






Todo o meu cantar tem hora:


é quando o sonho entretece


deslumbramentos de aurora


e a vida viva acontece.


Quem tem hora p’ra cantar


o tempo de mal andar?





José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 4 de Setembro de 2016.

domingo, 4 de setembro de 2016

02 - POESIA VIVA * O embuste






Cada dia que passa o mundo é mais pequeno. 

As notícias que chegam desnudam as misérias do embuste,

do embuste que se reclama dos direitos humanos.



O embuste que avilta a dignidade dos homens,

O embuste que enlameia a honra das mulheres,

O embuste que assassina a inocência das crianças,

O embuste que disputa os despojos da infâmia que gera.



O embuste que, em frenético leilão,

Compra e vende consciências.



O embuste que clama pelo fim dos tempos:

É preciso vender!

É urgente vender!

É inadiável vender

As manhãs orvalhadas de vida,

As noites enamoradas dos rouxinóis,

O mar salgado de lágrimas dos desencontros dos amantes,

As auroras da esperança!



O embuste que inventou os pobres

e lava a consciência das aparências

nas águas salobras da caridadezinha e das esmolas.



O embuste que inventou a lotaria,

a lotaria que faz um rico e desespera milhões de pobres...


O embuste da palavra que anestesia os ofendidos

e tortura os sonhos da noite da servidão.


O embuste que vocifera do cimo do palanque:

É preciso calar os gritos dos humilhados!

É urgente sufocar o sangue dos revoltados!

É inadiável crucificar todos os perigosos malvados,

esses perigosos malvados que sabem conjugar

o verbo em todos os tempos!








José-Augusto de Carvalho
1 de Julho de 2013
Viana * Évora * Portu
gal

08 - CIDADANIA * Meditação

Tempo de Sortilégio

Meditação




A minha casa está de mal comigo

ou eu talvez estou de mal com ela.

Se falo não escuta quanto digo,

se calo, alheia, nunca me interpela.



E, juntos, eu nem sei qual mais se ignora.

Vivemos um viver sem importância.

O tempo que outros medem hora a hora

é para nós atemporal errância.



Fizemos do silêncio a nossa paz.

A podre paz do fim que se assumiu.

Que importa o que se faz ou não se faz?



Lá fora, a vida segue de jornada,

nas malhas do que toda a gente viu:

que andar só por andar vai dar em nada.





José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 4 de Setembro de 2016.