Nas estradas e encruzilhadas da vida, liberto das roupagens da vaidade e da jactância, tento merecer esta minha condição de ser vivo.

domingo, 17 de dezembro de 2017

03 - O MEU RIMANCEIRO * A banda que passa…


O MEU RIMANCEIRO
.
(Que viva o cordel!)

*

A banda que passa… 






Meu amigo, tens razão:

deixemos passar a banda!

Marcha atrás a multidão

e mais quem p’las ruas anda

e é alheia à diversão.



Nas ruas, como nas feiras,

há sempre galos sem crista,

que, atrevidos nas maneiras,

exibem a longa lista

de maravilhas matreiras.



No fim, segue um cão vadio,

alheio a tanto alvoroço.

De passadio sombrio,

espera que sobre um osso

do animado desvario….





José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 16 de Dezembro de 2017.

quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

02 - POESIA VIVA * Em louvor da Vida



(TEMPO DE SORTILÉGIO)

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Em louvor da Vida







Na dimensão do todo, encontro-me plural.

Deveras quero ser uma acha da fogueira.

Anónima, uma acha, entre outras, da lareira

ardendo no teu lar em noite de natal.



Que importa se o natal apenas é um mito?

Importa é que no frio o fogo te acalente

e que no teu sonhar não sintas interdito

o mágico devir que alente o teu presente.



No ventre da mulher germina a utopia

da vida que floresce em cada primavera,

num ciclo que se cumpre em transe natural.



Na tua/minha voz suave a melodia

que a condição de ser e de mistério gera,

louvando em cada parto o mito do natal.





José-Augusto de Carvalho

Alentejo, 7 de Dezembro de 2017.

quinta-feira, 30 de novembro de 2017

02 - POESIA VIVA * A perpétua construção


(CANTO REVELADO)

A perpétua construção 



Dórdio Gomes, Pintor alentejano, com a devida vénia




Nem pratos de ilusões ou de lentilhas…

Nem taças do elixir dos desvarios…

Só quero do pão asmo das partilhas,

em sopas, no gaspacho, p’los estios.



O vinho e o pão devidos ao sustento,

para que o meu labor de cada dia

não sofra reduções de rendimento

nem mal augure os tempos de invernia.



O vinho e o pão do ajuste equitativo

que me garante a força do meu braço

e a minha condição que assumo e vivo

no que recuso e no que inteiro faço.



Que eu saiba ser plural na dimensão

multímoda e em perpétua construção.





José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 29 de Novembro de 2017.

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

02 POESIA VIVA * Em louvor do movimento



(TEMPO DE SORTILÉGIO)
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Em louvor do movimento



Tela de Siqueiros, com a devida vénia





Não trago no bornal renúncias e atropelos.

Não trago no cantil as sedes saciadas.

Caminho com a lama até aos tornozelos.

Nos campos ermos, domo angústias, rasgo estradas.



Saúda a cotovia os arrebois do dia.

O seu cantar feliz desperta os meus sentidos.

Levanto-me da cama ao som da cantoria.

Meus passos não serão incertos nem perdidos.



Difícil é andar ao frio que enregela

por mais que seja belo o manto de brancura,

mas mais difícil é tomar pincéis e tela

e ser a dimensão de nós ganhando altura



Difícil é andar ao vento que flagela,

(o látego zurzindo injúrias e inclemências), 

mas mais difícil é domar o leme e a vela

da nau que aporte ao fim de todas as urgências.



Importa caminhar, a vida é movimento.

É mero pormenor, chegar ou não ao fim.

Os passos que eu não der, jamais por desalento,

mais tarde, outros darão, por eles e por mim.





José-Augusto de Carvalho

Alentejo, 16 de Novembro de 2017.

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

03 - O MEU RIMANCEIRO * De jornada



O MEU RIMANCEIRO

(QUE VIVA O CORDEL!)


De jornada









Perguntas-me se eu vou na contramão…

Entrei na via de único sentido

apenas, podes crer, por distracção.

Que pena eu ser assim tão distraído!



Mas, à cautela, já saí da via…

Quem nesta vida andar por distracção,

arrisca-se a entrar na romaria,

ainda que sem fé nem devoção.



De alforge e de cantil e de cajado,

sem bússola estelar, cá vou sozinho.

Apenas tenho os astros por telhado

e o longe que me acena por caminho.



E se vou ter ou não a alegria

de ao longe que me acena além chegar,

não sei, mas sei que certa é esta a via

e por agora que me baste ousar.







José-Augusto de Carvalho

Alentejo, 26 de Outubro de 2017.

terça-feira, 3 de outubro de 2017

03 - O MEU RIMANCEIRO * A inércia não existe!


O MEU RIMANCEIRO
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(Que viva o cordel!)

*

A inércia não existe!





Adoptaste o modelo acabado

que anunciam, na praça, os arautos.

Neles crêem talvez os incautos

e deveras os bem instalados.



Mas o tempo recusa parar,

num vaivém de alcatruzes de nora

que descendo é a angústia que chora,

que subindo é o alvor a cantar.



Movimento perpétuo da vida,

de mudança em mudança prossegue.

E não há quem recuse ou quem negue

esta Lei que é de todos sabida.



O passado previu o presente,

o presente prevê o futuro.

Sob a terra, no húmus obscuro,

vigorosa, germina a semente…



Sempre assim, de mudança em mudança,

cada fim anuncia um nascer.

A verdade perene de ser,

desbravando caminhos, avança.





José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 3 de Outubro de 2017.

sábado, 30 de setembro de 2017

03 - O MEU RIMANCEIRO * O outro mundo


O MEU RIMANCEIRO
.
(QUE VIVA O CORDEL!)


*

O outro mundo







Há um mundo do outro mundo:

o do pontapé na bola.

Um mundo que vai ao fundo

no pântano em que se atola.



Tamanha jactância ostenta

em tempo de magra ceia,

que já ninguém lhe aguenta

indecoro e verborreia.



Prémios/salários chorudos…

Mudo, o povo aperta o cinto!

Venha o primeiro dos mudos

dizer-me agora que eu minto!



Neste mundo do outro mundo,

há quem ganhe mais num dia

que no mundo deste mundo

quem num mês tanto porfia.



Pão e circo --- viva Roma!

Sob o sol nada de novo!

Parcelas da mesma soma

que somando vai o povo.





José-Augusto de Carvalho

Alentejo, 30 de Setembro de 2017.

sexta-feira, 29 de setembro de 2017

02 - ESTA LIRA DE MIM!... * Catarse


ESTA LIRA DE MIM!...

Catarse




Naquele dia, do meu pátrio chão,

quase menino ainda, me arrancou

um desígnio malsão.

E ninguém protestou.



Quase ainda menino,

um soluço na voz,

suspeitei do destino.

Ao tempo, eu nem sabia

que o destino podia

ser erguido por nós.



Também eu, Bernardim,

da casa de meus pais fui arrancado,

arrancado e levado

para tão longe deles e de mim.



E ninguém protestou

quando a renúncia ergueu o meu destino

e me sacrificou…

e eu era ainda quase um menino!



Porque um homem não chora,

tolices ensinadas às crianças,

quase matei o coração naquela hora,

que estavam mortas já as esperanças..



E fui a desfolhar a débil planta

como se Outono fora a minha Primavera.

Numa gaiola, um rouxinol não canta,

por mais que seja longa a espera

do cruel carcereiro

que impõe à liberdade o cativeiro.



Ficaram cicatrizes,

roxas de iniquidades sem perdão.

A tudo resistiram as raízes,

sempre gritando --- Não!





José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 28 de Setembro de 20017.

terça-feira, 26 de setembro de 2017

02 - POESIA VIVA * O malmequer silvestre


CLAVE DE SUL

O malmequer silvestre







Despetalo o silvestre malmequer:

bem me quer… mal me quer…



Neste apelo ancestral de tosco rito,

tento aqui perceber

as auroras ainda por nascer

de um devir que ao presente é interdito.



Bem me quer… mal me quer…

Sem render-me, eu serei o que puder…



A que angústias me dou e me macero?

Meu será este encontro de futuro!

Mais além do que dure eu sei que duro

no plural horizonte onde me quero!



Bem me quer… mal me quer…

Só depende de mim o bem me quer!...





José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 25 de Setembro de 2017.



03 - O MEU RIMANCEIRO * A profecia

O MEU RIMANCEIRO
.
(QUE VIVA O CORDEL!)




A profecia






Os profetas da desgraça

gritam a quem quer ouvi-los:

podemos ficar tranquilos,

porque teremos a graça

de alcançar o paraíso

depois do final juízo.



Profecia que é convite

à mansa resignação.

Pois que fique a mansidão

e a profecia credite

o sonhado paraíso

depois do final juízo.



Até lá, segue o desfile

da marcha do carnaval

onde o mal é natural

e é herege quem refile.

Tudo pelo paraíso

depois do final juízo.



A Justiça Punitiva

os poderosos espera.

Será sentença severa,

sem risco de recidiva,

para paz do paraíso

depois do final juízo.



Até lá, vamos na dança

de alta roda, baixa roda,

correndo e cantando a moda

“quem porfia sempre alcança”.

E que viva o paraíso

depois do final juízo!






José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 6 de Setembro de 2017.

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

02 - POESIA VIVA * Catarse


TEMPO DE SORTILÉGIO

Catarse




Para mim,

a jornada que tento cumprir

se aproxima do fim.

Não importa que eu veja ou não veja

primaveras de vida a florir.

O que importa é que eu seja

mais um grão

que germina tenaz neste chão.

O que importa é eu ser, resoluto,

entre tantas, mais uma raiz

que se cumpra na planta, na flor e no fruto

que a criança feliz

vai um dia comer descuidada…

…e eu sossegue na paz do meu nada.





José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 24 de Setembro de 2017.

sexta-feira, 8 de setembro de 2017

02 - poesia viva * A cidade

CLAVE DE SUL

A cidade






Não soubemos defender,
não pudemos defender
a cidade
E os sitiantes entraram
e a ferro e fogo tomaram
a cidade


A história dos vencedores
sem decoro pinta a cores
a cidade
Dos vencidos não diz nada
Mal resiste resignada
a cidade

E tu, que chegaste agora,
sabes o que foi outrora
a cidade?
Sim,  talvez nem te interesse
a negação que arrefece
a cidade



José-Augusto de Carvalho

Alentejo, 2 de Setembro de 2017.

03 - O MEU RIMANCEIRO * Na roda da vida…



O MEU RIMANCEIRO

(QUE VIVA O CORDEL!)

*
Na roda da vida…







Os poetas cantaram o grito

que varou o silêncio sangrento.

Não morreu a raiz nem o vento

se calou num vazio contrito.



Continua a figueira a dar fruto,

quando o tempo aprazado chegar.

Há um tempo maduro de amar:

é por ele e com ele que luto.



Em Setembro haverá as vindimas.

Quase findos os dias de Agosto…

Bem casadas de gosto e de mosto,

aprontemos as últimas rimas.



Em Novembro, as primícias do vinho,

na promessa do novo cumprida.

Vamos todos na roda da vida!

São Martinho já vem a caminho…







José Augusto de Carvalho

Alentejo, 30 de Agosto de 2017.




03 - O MEU RIMANCEIRO * O cordel


O MEU RIMANCEIRO

QUE VIVA O CORDEL!

*

O cordel





Do cordel tu te sorris,

benévolo e tolerante?

Mas se não fora a raiz,

que perfume, que matiz

na flor que mais nos encante?



Por mais rústica que seja,

a teus olhos, a raiz,

qualquer planta que viceja

ou fruto que se deseja

é porque a raiz o quis.



A raiz é como um ovo:

o princípio rude e mudo

que, suando como o povo,

esforçado traz o novo

e, assim, perpetua tudo.





José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 31 de Agosto de 2017.

sábado, 18 de fevereiro de 2017

07 - B R A S I L * O Prémio Camões 2016

"Não há como ficar calado"

(a íntegra do discurso de Raduan Nassar no Prêmio Camões)



SEX, 17/02/2017 - 18:27

Da Carta Capital




Em seu pronunciamento na entrega do Prêmio Camões de literatura, o escritor critica o golpe, o governo Temer e o STF. Leia a íntegra

Às dez e meia da manhã desta sexta-feira 17, o escritor Raduan Nassar subiu ao palco montado no Museu Lasar Segall, em São Paulo, para receber o Prêmio Camões de 2016, honraria concedida pelos governos do Brasil e Portugal e um dos principais reconhecimentos da literatura em língua portuguesa. Nassar ofereceu à plateia o seguinte discurso:

Excelentíssimo Senhor Embaixador de Portugal, Dr. Jorge Cabral.

Senhor Dr. Roberto Freire, Ministro da Cultura do governo em exercício.

Senhora Helena Severo, Presidente da Fundação Biblioteca Nacional.

Professor Jorge Schwartz, Diretor do Museu Lasar Segall.

Saudações a todos os convidados.

Tive dificuldade para entender o Prêmio Camões, ainda que concedido pelo voto unânime do júri. De todo modo, uma honraria a um brasileiro ter sido contemplado no berço de nossa língua.  

Estive em Portugal em 1976, fascinado pelo país, resplandecente desde a Revolução dos Cravos no ano anterior. Além de amigos portugueses, fui sempre carinhosamente acolhido pela imprensa, escritores e meios acadêmicos lusitanos.

Portanto, Sr.Embaixador, muito obrigado a Portugal.

Infelizmente, nada é tão azul no nosso Brasil.

Vivemos tempos sombrios, muito sombrios: invasão na sede do Partido dos Trabalhadores em São Paulo; invasão na Escola Nacional Florestan Fernandes; invasão nas escolas de ensino médio em muitos estados; a prisão de Guilherme Boulos, membro da Coordenação do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto; violência contra a oposição democrática ao manifestar-se na rua. Episódios todos perpetrados por Alexandre de Moraes.

Com curriculum mais amplo de truculência, Moraes propiciou também, por omissão, as tragédias nos presídios de Manaus e Roraima. Prima inclusive por uma incontinência verbal assustadora, de um partidarismo exacerbado, há vídeo, atestando a virulência da sua fala. E é esta figura exótica a indicada agora para o Supremo Tribunal Federal.

Os fatos mencionados configuram por extensão todo um governo repressor: contra o trabalhador, contra aposentadorias criteriosas, contra universidades federais de ensino gratuito, contra a diplomacia ativa e altiva de Celso Amorim. Governo atrelado por sinal ao neoliberalismo com sua escandalosa concentração da riqueza, o que vem desgraçando os pobres do mundo inteiro.

Mesmo de exceção, o governo que está aí foi posto, e continua amparado pelo Ministério Público e, de resto, pelo Supremo Tribunal Federal.

Prova da sustentação do governo em exercício aconteceu há três dias, quando o ministro Celso de Mello, com suas intervenções enfadonhas, acolheu o pleito de Moreira Franco. Citado 34 vezes numa única delação, o ministro Celso de Mello garantiu, com foro privilegiado, a blindagem ao alcunhado “Angorá”. E acrescentou um elogio superlativo a um de seus pares, o ministro Gilmar Mendes, por ter barrado Lula para a Casa Civil, no governo Dilma. Dois pesos e duas medidas

É esse o Supremo que temos, ressalvadas poucas exceções. Coerente com seu passado à época do regime militar, o mesmo Supremo propiciou a reversão da nossa democracia: não impediu que Eduardo Cunha, então presidente da Câmara dos Deputados e réu na Corte, instaurasse o processo de impeachment de Dilma Rousseff. Íntegra, eleita pelo voto popular, Dilma foi afastada definitivamente no Senado.

 O golpe estava consumado!

 Não há como ficar calado.


 Obrigado

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

16 - NA REVOLUÇÃO DOS CRAVOS * Couço, Agosto de 1975,




A Reforma Agrária no imenso abraço POVO+MFA

O Capitão Amílcar Rodrigues do MFA

(Movimento das Forças Armadas)

conversa com a jovem e linda camponesa de pés descalços.

domingo, 22 de janeiro de 2017

02 - O MEU RIMANCEIRO * Sonho de Primavera!



O MEU RIMANCEIRO

(QUE VIVA O CORDEL!)

*

Sonho de Primavera!






Quando tu acreditaste

que chegara a Primavera,

o medo gritou-te: espera!

e tu, confuso, esperaste.



Tiveste medo do medo,

do medo que te encarcera.

Foi porque tiveste medo

que perdeste a Primavera.



Depois, chegou o Verão,

muito quente, muito quente!

E tu, nessa lassidão,

dormias indiferente.



Quando acordaste, era Outono,

o tempo das azeitonas.

E tu, ainda com sono,

à modorra te abandonas!



Só quando em redor olhaste,

viste a paisagem mudada:

nua estava a débil haste,

no abandono desfolhada.



Ficaste sem entender

o que tinha acontecido,

como se pudesse haver

no não-ser algum sentido.



Hoje, nas águas paradas

do paúl tentas sonhar

caravelas encantadas

sedentas por navegar.





José-Augusto de Carvalho
Alentejo, 22 de Janeiro de 2017.